O decreto assinado pelo presidente Lula sob o abrigo da cláusula dos “direitos humanos” causou polêmica porque abordou questões tormentosas que a sociedade brasileira ainda não enfrentou adequadamente. Apedrejado por uns e louvado por outros, o fato é que o decreto tem um aspecto positivo: ele é explícito; ele existe; ele é! Os políticos brasileiros, em regra, sobrevivem nos mandatos menos pelo que dizem e mais pelo que silenciam. Sabem eles que o silêncio conveniente sobre um tema polêmico tem a vantagem de não desagradar a nenhum dos lados, o que é uma grande jogada na disputa por votos. O decreto, pois, é uma grande e raríssima oportunidade para que os eleitores tenham a chance de saber o que pensam os políticos da sua cidade, Estado e País. A política brasileira – nas três esferas – é carente de pensamentos e ideias. A “esquerda” no poder tem constantes recaídas conservadoras e a “direita” na oposição tem frequentes ímpetos progressistas na apresentação de alternativas e mudanças. Não se sabe mais quem é quem, exceto quando interesses setorizados e desvinculados de um plano geral ideológico, são defendidos. No Executivo, impera um pragmatismo cego, desideologizado e pobremente empírico. Prefeitos, governadores e até mesmo o presidente ficam incomodados e fogem do compromisso de se posicionar, pois temem descontentar um lado e perderem apoio. Para não falar o que pensam de fato, mergulham nos problemas administrativos e se transformam em prosaicos gerentes sem horizontes e ideais. No Legislativo, impressiona o vazio contorcionismo verbal daqueles que, em tese, deveriam ser claros, objetivos e categóricos na fundamentação e no posicionamento diante de graves e tormentosas questões políticas, morais e filosóficas fundamentais para a transparência de seu pensamento e projetos. É dever dos políticos dizer à população o que pensam a respeito da descriminalização do aborto, do conflito agrário, do MST, dos quilombolas, dos índios, dos produtores rurais, das minorias, da união civil entre pessoas do mesmo sexo, da tensão permanente entre liberdade de expressão e direito à intimidade, imagem e honra e tantos outros temas que, polêmicos, não podem ser engavetados pelo oportunismo eleitoral. É direito dos eleitores saber o que pensam os políticos a respeito das questões fundamentais da existência e da própria dinâmica social, uma vez que a representação do mandato pressupõe uma relação de confiança e onde não há conhecimento entre as pessoas, não pode haver confiança. Mesmo que os políticos procurem camuflar os pensamentos através de palavras vagas e genéricas, o eleitor terá condições de avaliar o seu caráter e a natureza dos seus propósitos, afinal um político que não se posiciona de forma convincente a respeito de um tema não merece o crédito do voto. A importância do decreto é esta: se é a favor ou contra, não importa; o que é fundamental é saber de que lado o político está em relação a cada um dos temas abordados no documento. Não vejo melhor oportunidade para a imprensa revelar aos leitores, internautas, ouvintes e telespectadores quem são os nossos políticos, como pensam, em que acreditam e o que tem a dizer a respeito das questões fundamentais da política e da sociedade. Seguramente, as respostas e as não-respostas servirão para definir ou, ao menos, indicar os principais traços do pensamento, da formação moral e do caráter dos que exercem mandato político ou pretendem exercer. As respostas poderão revelar, mesmo de forma obscura, traços da personalidade, preconceitos, intolerância, fobias, idiossincrasias, tendências, mas principalmente servirão de bússola para orientar o sentido do diálogo que se estabelece entre os cidadãos, mandatários ou não. Se responder com evasivas, o eleitor saberá: ou é ignorante ou oportunista; se responder com firmeza, já sinaliza, ao menos, a virtude da coragem e da sinceridade, o que não é pouca coisa diante do quadro atual. O decreto presidencial poderá ser um divisor de águas na relação entre político e eleitor, porque através de seus polêmicos temas, saberemos quem é, de fato, o político que nos representa. Se a imprensa não se interessar na tarefa de revelar ao cidadão o perfil e o pensamento dos políticos, nada impede que, através da internet (sites, e-mails, blogs, twitter, etc) ou cartas, os próprios cidadãos iniciem esta caminhada que amadurecerá a relação entre o político e o cidadão. Portanto, a tarefa que desponta no horizonte é alentadora: o cidadão, para ser digno deste nome, precisa provocar respostas, perguntando o que é fundamental para a nossa democracia. É momento de sabatinar implacavelmente os políticos e ver se aquilo que dizem o que pensam corresponde ao que, de fato, praticam. Este é um direito elementar de todos nós !