A substituição das aulas presenciais, desde o ensino básico até o superior, pelo ensino remoto há cerca de cinco meses, mostra a necessidade de reavaliar o papel da tecnologia na educação, o acesso da população a uma internet de qualidade e a importância do trabalho do professor na construção da aprendizagem.
A professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e líder de um grupo de estudo e pesquisa de políticas educacionais e formação de professores da instituição, Andreia Nunes Militão, analisa o contexto.
“É uma questão muito complexa para a gente analisar neste contexto tão próximo de tudo que está acontecendo. O que eu poderia dizer é que a pandemia e o isolamento alteram a organização educacional do ensino, no caso a organização do trabalho pedagógico”, explica.
A educação no Brasil é organizada tradicionalmente no âmbito presencial, com aulas dentro do espaço físico de uma instituição, onde os alunos e professores se encontram durante 200 dias letivos.
O contato entre professor e aluno que durante anos foi presencial, agora é intermediado pela tecnologia. Um dos desafios apontados pela professora está o difícil acesso à internet no Brasil por grande parte da população.
Além disso, a falta de um ambiente adequado para o estudo dentro de casa e a orientação que o aluno necessita para cumprir as tarefas também são desafiadores, principalmente estudantes da educação básica.
“Nós temos no Brasil uma realidade muito dispare em relação às condições de vida de uma parte da população, que não tem acesso às tecnologias, como celulares mais modernos, tablets, e também o acesso à internet por meio desses aparatos”, exemplifica Andreia.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – tecnologia da informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC) 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 46 milhões de brasileiros não tem acesso à internet. Em áreas rurais, o número é ainda maior, cerca de 53,5% dos moradores estão distantes da rede.
Dos desconectados, 41,6% não sabem usar o serviço, enquanto 34,6% não tem interesse. As condições socioeconômicas são responsáveis por 11,8% da população distante da internet, enquanto 5,7% acha o equipamento necessário para o uso, como celular e tablets, caros demais.
“Ainda tem a qualidade da internet. Eu mesma estou usando uma, considerada 5G e ela está oscilando, caindo com frequência”, apontou a professora.
Para Andreia, a escola presencial é insubstituível por ser o lugar onde as relações humanas acontecem de forma democrática e dialógica. Mas ela defende que isso não diminui a relevância da Educação a Distância.
“Ela tem uma importância principalmente em algumas regiões do Brasil, que é difícil a chegada do da escola presencial. O que podemos pensar é usar a EAD de forma complementar e não substitutiva da educação presencial”, pontua.
Educação pós-pandemia
As aulas presenciais no ensino superior do Estado não deverão voltar em 2020. Já nas escolas municipais e estaduais o retorno ainda é incerto, mas a tendência é o retorno também em 2021.
Andreia defende que uma alternativa é estender o ano letivo de 2020 para 2021, mantendo o conteúdo escolar programado para as turmas.
“De acordo com a LDB de 1996, nós temos que cumprir os 200 anos letivos, com as 800 horas. Mas, a gente pode em situações de calamidades, sobretudo climáticas e econômicas ou quaisquer questões locais, a gente pode reorganizar esse calendário escolar, a ideia é de fazer isso de forma presencial, não substituindo com atividades a distância. Se usar esse recurso vai aumentar as desigualdades sociais”, acredita.
Para a professora, outra alternativa viável é aumentar as horas de aula quando o ensino presencial retornar. “E usar como complemento deste ensino, as atividades em plataformas a distância”, conclui.