A Polícia Civil chegou à quantia de R$ 25 milhões em bens bloqueados e sequestrados em 2019, com autorização judicial, da milícia e da contravenção ligada à máfia de caça-níqueis no Rio de Janeiro. O acumulado foi alcançado após três grandes operações, a última delas na quarta-feira (3), contra lavagem de dinheiro de empresas ligadas à maior milícia do estado.
Segundo levantamento do G1 junto à Polícia Civil, foram R$ 18 milhões apreendidos e bloqueados de empresas e suspeitos ligados à milícia, em duas ações distintas. Outros R$ 7 milhões são de pessoas e empresas ligadas à contravenção, após uma operação realizada em junho.
A definição sobre o destino dos bens e possíveis leilões para arrecadação do dinheiro será feita pela Justiça ao final dos processos.
Novo departamento
Os bloqueios foram pedidos à Justiça pelo Departamento Geral de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro, criado no início do ano.
Na quarta-feira, a especializada efetuou as primeiras prisões. Seis pessoas foram detidas em uma operação contra a empresa Macla, ligada a Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, irmão de Wellington da Silva Braga, líder de uma milícia da Zona Oeste.
"O que é importante ressaltar nessa questão não é só o montante. Ele é expressivo, ainda tem os valores ligados às contas bloqueadas, porque a gente não tem conhecimento exatamente dos valores das contas, a gente tá apurando isso, então pode ser mais", explicou a diretora do departamento, a delegada Patrícia Alemany.
Atuante no setor de lavagem de dinheiro desde 2009 na Polícia Civil, Alemany acredita que o mais importante é a mudança de cultura da corporação.
“Uma organização criminosa dessa não está acostumada a ter nenhum bem bloqueada. Eles não estão habituados a que se mexa no patrimônio deles", explicou.
A delegada critica a inexistência de delações premiadas em processos contra o crime organizado que poderiam reforçar as investigações. Ainda de acordo com Alemany, o departamento já iniciou conversas para uma possível colaboração de suspeitos ligados ao crime organizado.
"Hoje a gente está no início de uma conversa, é isso que eu posso dizer", disse Alemany.
Mapa de bens
As apreensões incluem bens imóveis, como terrenos, e até veículos em diferentes locais das zonas norte e oeste da capital, além da Baixada Fluminense. Além disso, empresas tiveram a autorização de funcionamento cancelada.
Na operação de quarta-feira, as sete pessoas com mandado de prisão tiveram suas contas bloqueadas. As empresas envolvidas na lavagem de dinheiro da milícia, segundo as investigações também tiveram a sanção financeira. Foram congeladas as verbas de Macla Extração e Comércio de Saibro Eireli – EPP, Hessel Locação de Equipamentos Ltda, Jardim das Acácias Mineração e Senna Terraplanagem.
O levantamento do G1 revelou que os terrenos e imóveis sequestrados com autorização da Justiça ficam, em sua maioria, nas áreas em que muitos dos envolvidos com a milícia ou contravenção residem, e onde os grupos criminosos possuem ampla atuação.
Em operações contra a milícia, foram rastreados imóveis em bairros como Ilha de Guaratiba, Barra da Tijuca e Recreio, na Zona Oeste, estes últimos bairros em condomínios de luxo.
Casas e sítios também foram sequestrados em Campo Grande, local de nascimento da maior milícia do Rio de Janeiro, e nos bairros vizinhos de Santa Cruz e Paciência. Na Baixada Fluminense, o mesmo ocorreu em Itaguaí e Seropédica.
A casa encontrada em Campo Grande ficava no bairro Rio da Prata, e foi avaliada pela polícia em R$ 1 milhão. Ela pertencia a um sargento chamado Marcelo José Costa Brito, lotado no Batalhão de Policiamento de Vias Especiais (BPVE). Horas depois da operação, o policial se apresentou à polícia e foi levado para a unidade prisional da PM, em Niterói, na Região Metropolitana do RJ. O G1 não encontrou o advogado do policial.
Na operação contra empresas ligadas ao policial civil Rogério Augusto Marques de Brito, o Rogerinho, foram apreendidos quatro apartamentos e três casas na Barra da Tijuca e em Jacarepaguá, na Zona Oeste; e Méier, Cachambi e Del Castilho, na Zona Norte. Foram bloqueadas ainda oito contas de pessoas físicas e jurídicas ligadas à organização.
Alemany afirma que as prisões são importantes, mas o fundamental, através das análises financeiras e contábeis, é buscar o "caminho do dinheiro".
“Os grandes líderes dessas organizações estão todos presos. Então, combater, asfixiar o braço financeiro dessas organizações é um bom caminho para trabalhar crime organizado. Mas sempre com foco na questão do sequestro de bens e do bloqueio de contas. Buscar o caminho do dinheiro e retirar esse dinheiro dos criminosos", alertou.
Diferentes esquemas
Os caminhos da lavagem de dinheiro são variados. As investigações do Departamento de Combate à Lavagem de Dinheiro lidam frequentemente com análises financeiras e contábeis, além de relatórios de inteligência financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). O órgão passou do controle do Ministério da Justiça, de Sérgio Moro, para o Ministério da Economia.
Segundo Patricia, casos mais recentes envolvem empresas de fachada. Outros, principalmente envolvendo a Macla, empresa ligada à milícia de Campo Grande, demonstram a utilização do sistema chamado Mescla, em que uma atividade lícita de uma empresa é utilizada para lavar dinheiro ilícito.
“Quando é empresa de fachada, fica mais claro porque aquela empresa ali muitas vezes nem existe. Quando a empresa faz uma mescla, ela faz uma parte da atividade lícita também e mistura com o dinheiro ilícito, que é comum nessas organizações", avaliou.
Há vezes, no entanto, em que criminosos usam o próprio sistema financeiro como arma para cometer crimes, como a utilização de "contas de passagem".
"É uma estrutura bancária onde você tem contas que só servem para passar para outras contas o dinheiro. É uma maneira de você dificultar o rastreamento desse dinheiro", explicou a delegada.
Milícia e contravenção na mira
Em fevereiro, a Polícia Civil cumpriu mandados de busca e apreensãoem endereços ligados à milícia de Santa Cruz, principalmente a Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, irmão do líder da organização criminosa, conhecido como Ecko. Foi sequestrada sua mansão de R$ 1,7 milhão no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio.
Além dessa mansão, foram apreendidos:
Sítio em Seropédica, na Baixada Fluminense, avaliado em R$ 1,3 milhão. O imóvel pertence a Danilo Dias Lima, chefe da milícia que atua no município e também em parte de Nova Iguaçu,
Imóvel no Centro de Itaguaí, também de Danilo Dias Lima, avaliado em R$ 850 mil.
Casa de um policial em Campo Grande, na Zona Oeste, no bairro Rio da Prata, avaliada em R$ 1 milhão;
Em junho, o departamento fez operação para cumprir mandados de busca e apreensão contra suspeita de envolvimento em lavagem de dinheiro usando empresas de fachada.
As investigações tiveram início a partir de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do governo federal, que detectou movimentações atípicas em uma concessionária de carros e numa loja de doces no Centro do Rio.
Nos documentos, encaminhados ao Ministério Público do RJ, se verificou que a loja de doces movimentou R$ 2,5 milhões em suas contas durante nove meses de 2018. O faturamento médio informado era de R$ 6,6 mil mensais.
Equipes do Departamento de Investigação de Lavagem de Dinheiro e Combate à Corrupção da Polícia Civil estão em endereços na Barra da Tijuca e no Centro do Rio.
A Operação Nickel, como foi batizada, se refere à exploração de máquinas caça-níqueis. Essa é uma suspeita dos investigadores para os valores movimentados nas empresas.