Nathalia Barbosa e Flávio Paes
A Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Mato Grosso do Sul (Fetagri) mobilizou centenas de famílias de sem-terra que bloquearam ontem por até quatro horas trechos de seis rodovias em Mato Grosso do Sul. Munidos com faixas e bandeiras, os sem-terra diziam estar no local para protestar por seus direitos, no entanto, a principal reinvidicação era a presença da mídia, principalmente a televisiva. "A gente quer um dia de fama", brincavam alguns deles.
As manifestações só terminaram com a chegada de equipes de televisão que gravaram imagens da manifestação com "trilha sonora" de palavras de ordem e o cântico do Hino Nacional . Bastaram 20 minutos de gravação (das 9h30min às 9h50min) para que o protesto terminasse.
Os bloqueios se estenderam das 6h às 10h, em trechos de cinco rodovias estaduais e numa federal (a BR-262). O resultado foram congestionamentos de até 5 quilômetros na MS -060, entre Campo Grande e Sidrolândia; MS-295, trecho Eldorado/ Iguatemi; MS-276, perto de Nova Andradina; MS -164, proximidades de Ponta Porã; MS-346, de Miranda a Bodoquena e BR-262, entre Ribas do Rio Pardo e Três Lagoas.
Os bloqueios, que inauguraram a participação da Fetagri no chamado "abril vermelho",calendário nacional de protestos dos movimentos sociais que atuam na defesa da reforma agrária, irritaram motoristas, geraram muito bate-boca entre sem-terra, motoristas e policiais rodoviários estaduais, que a todo momento ameaçavam convocar a tropa de choque da Polícia Militar para desobstruir a pista. O pretexto oficial para justificar as manifestações foi a cobrança para o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) acelerar a desapropriação de 16 propriedades para o processo de reforma agrária.
Na MS-060, a manifestação ficou concentrada na divisa entre Campo Grande e Sidrolândia, em frente à Fazenda Aracoara, pertencente ao grupo Cutrale Quintella. Na propriedade, de 6.800 hectares, há criação de gado em sistema de confinamento. A Fetagri recrutou famílias acampadas em Sidrolândia, Terenos, na zona rural de Campo Grande e entre desempregados da periferia da Capital. No grupo inclusive havia funcionários públicos, um deles se identificou como assessor de um vereador.
Os manifestantes chegaram por volta das 6h em motocicletas e carros de passeio. Os "caroneiros" dividiram o custo da gasolina.
Cenário
O "cenário" da manifestação na MS-060 começou a ser montado há 10 dias, com a construção de barracos às margens da rodovia, em frente da Fazenda Aracoara.
Enquanto as equipes de televisão não chegavam os policiais tiveram que se armar de muita paciência para convencer os manifestantes a liberarem a passagem de veículos que levavam pessoas com problemas de saúde, outros que tinham consultas ou exames agendados na Capital.
Uma das pessoas que enfrentou problemas foi dona Iolanda Moraes, 84 anos, residente em Maracaju, que há um mês agendou uma consulta no oftalmologista em Campo Grande, programada para as 8h de ontem. Eram 8h30 min e ela ainda permanecia retida na estrada, junto com a nora. Foram necessários 40 minutos de negociação, para que os manifestantes permitissem que ela seguisse viagem.
"É um absurdo, eu preciso ir trabalhar e estou aqui parada há mais de duas horas", disse a dentista Luana Gonçalves, 24 anos, que mora em Campo Grande e trabalha em Sidrolândia. Na ocasião, uma gestante também foi até um líder do movimento pedir que a deixasse passar. "Moço, pelo amor de Deus, eu estou com dor e tenho que ir ao hospital". Ambas precisaram da intervenção da polícia para atravessar o bloqueio.