Começamos a vida com tombos e terminamos com quedas. Nos dois extremos predomina a força da gravidade sobre o equilíbrio. Aquele que cai mais, teoricamente experimentou mais adversidades e consequentemente exercitou-se mais para aprimorar a força de sustentação. A prática leva à perfeição. Podemos nunca cair se não tentarmos andar, correr, dançar ou pular e, a vida será desprovida de brilho e desafios e transbordante de restrições e limitações.
As quedas podem ser analisadas do ponto de vista existencial, físico e político.
É sabido que os idosos caem muito. As quedas são responsáveis por 70% das mortes acidentais e 90% das fraturas de quadril nessa faixa etária. De cada três idosos, um cai durante o ano. Em um levantamento nosso no serviço de ortopedia da Santa Casa, mostrou-se que as quedas são mais frequentes em acima dos 70 anos (83,8%), mulheres (74,5%), caem mais dentro de casa e não raro usam vários remédios, têm função cognitiva comprometida e déficit do sensório. A essas limitações chamamos de condições geriátricas que em nossa análise estatística aumentou significativamente as chances de cair quando se é diabético (2,37 vezes), seqüela de derrame (5,57 vezes), queda anterior (3,04 vezes), incontinência urinária (6,64 vezes), piora auditiva (6,58 vezes) e tontura prévia (6,85 vezes). O osso que mais quebra é o fêmur (73,7%). É o osso da sustentação e do diferencial da atitude bípede do homem. Para se manter forte precisa ser usado, mas o envelhecimento e a sociedade tecnológica confinam o idoso ao seu domicílio e então começa o processo de degradação biológica. A inatividade leva a osteoporose. Aprendemos na faculdade que a prevenção de fraturas passa pela exposição ao sol, vitamina D, cálcio e alendronato. Sobre o exercício fala-se sem muita convicção. Nenhum desses medicamentos funciona se não exercitarmos, fortalecermos e condicionarmos a musculatura que fortalece o osso e que facilita movimentos seguros e firmes. Isso é facilmente confirmado quando analisamos os povos Hunza, Abecácios, Vilcabamba no Equador e Okinawanos no Japão. Os seus idosos chegam a 110 anos, ativos, alegres, lúcidos, magros e produtivos. Os únicos diferenciais são a solidariedade e o movimento. Não param nunca porque a comunidade os respeita, valoriza e necessita deles.
A outra queda é a política que à semelhança da queda dos idosos é também por falta de sustentação. A democracia tem o seu esteio nas forças que emanam do povo através dos seus representantes. A compreensão do processo e a cobrança dos representantes pelo povo ainda são frágeis na democracia brasileira. O prefeito, governador e presidente têm que ter obrigatoriamente credibilidade, competência, história política e de vida. Os representantes setoriais eleitos (vereadores, deputados e senadores) não significam obrigatoriamente a força de sustentação popular, mas freqüentemente o reflexo do interesse econômico, de grupos minoritários e de facções partidárias. Estamos num processo delicado de escolha do executivo estadual e nacional. As composições políticas de aliança são promíscuas, tendenciosas e espúrias. Finda a eleição os apoiadores cobrarão a fatura e a classe média pagará a conta como até aqui tem feito.
A queda da democracia deve ser evitada a qualquer custo. Sustenta melhor o processo democrático quem tem mais experiência, credibilidade, liderança e não se dobra às exigências de facções partidárias que não ostentem a bandeira do interesse nacional.
As fraturas incapacitantes nos idosos continuam porque continuamos acreditando que fazer densitometria anual, tomar cálcio e alendronato evitam quedas. O que evita queda é força e agilidade muscular. Se se sustenta não cai e se não cai não quebra. Da mesma forma na política. A democracia precisa de exercício e músculos fortes e treinados. Isso só tem quem se exercitou politicamente e não os que foram e continuam sendo carregados. Os seus ossos e músculos são muitos fracos, não resistem a uma canelada política. Cuidado, é hora de bem escolher e evitar a queda da democracia.
LUIZ OVANDO, Médico e professor de Medicina