Cenário recente de homicídios, batidas policiais e comercialização e uso de drogas, moradores da Vila Nhanhá estão desesperançosos com as condições de vida no bairro, que desde 2014 é classificado como uma espécie de “cracolândia” por quem vive na região.
Para os moradores, a alcunha ganhou força há 10 anos, com a inauguração da base da Guarda Municipal na antiga rodoviária, localizada na Rua Barão do Rio Branco, durante a gestão do prefeito Alcides Bernal, justamente para reforçar o combate às drogas, aos furtos e às depredações na região central.
Apesar da boa intenção dos gestores municipais à época, segundo um comerciante, que pediu para não ser identificado, a ação obteve efeito rebote, uma vez que os usuários que antes se aglomeravam apenas na região da antiga rodoviária acabaram “transferidos” para a Vila Nhanhá, área comum de se encontrar usuários e traficantes também nos dias de hoje.
“Acredito que o fluxo de usuários aumentou muito com o estabelecimento da Guarda Municipal na antiga rodoviária. Os problemas de lá não foram resolvidos e, além disso, foram trazidos para cá”, disse o comerciante de 34 anos.
A partir da fala do morador, é possível identificar que, para quem vive na região, a criação do posto da Guarda Municipal se tornou uma espécie de falha da administração municipal, que, na tentativa de resolver os problemas já existentes com a desativação da antiga rodoviária, acabou criando outro.
Nessa lógica, os usuários que antes viviam no entorno da antiga rodoviária percorreram cerca de 1,7 km pela Avenida Presidente Ernesto Geisel e chegaram até a Avenida das Bandeiras, área de entrada da Vila Nhanhá.
De fato, a região é tomada pelos usuários, que à luz do dia se aglomeram entre comércios e lojas da avenida.
Na última semana, o bairro foi alvo da Operação Dual, de combate ao tráfico de drogas na região, realizada por policiais da Delegacia Especializada de Repressão a Roubos a Banco, Assaltos e Sequestros (Garras) e deunidades subordinadas ao Comando de Policiamento Metropolitano (CPM), ao Comando de Policiamento Especializado (CPE) e à Coordenadoria-Geral de Policiamento Aéreo (CGPA).
A ação, que culminou na morte de Leonardo Diego Fagundes Lourenço, de 35 anos – baleado, segundo relatos, após tentar atacar os policiais militares com uma faca –, apreendeu 68 trouxinhas de cocaína, 13 porções de maconha e prendeu 7 pessoas em flagrante.
A operação ocorreu no quadrilátero entre as ruas do Aquário e Bom Sucesso e as avenidas Ernesto Geisel e das Bandeiras.
“É muito complicado aqui. Todos os dias é assim. Anoitece e amanhece, e as coisas continuam da mesma forma, às vezes somos acordados com tiros ou com os usuários perambulando na porta de casa”, declarou um pintor de 62 anos, que pediu anonimato.
Também sem se identificar, um comerciante que está há 30 anos na região disse que a convivência com os usuários é tranquila, entretanto, a comercialização de drogas e a predominância das diversas bocas de fumo fazem com que os moradores do bairro revivam as mesmas situações todos os dias.
“Se eles estão aqui, é porque conseguem comprar [droga]. Fazem o que puderem para sustentar o vício, furtando ferros, quebrando janelas. A situação está bastante complicada há algum tempo”, declarou.
PROBLEMA CRÔNICO
Por medo de represálias, dois comerciantes, que pediram anonimato, encontraram uma alternativa ríspida de inibir os usuários de drogas. Há pelo menos dois anos, ambos mantêm um pedaço de pau à porta do estabelecimento, como uma espécie de “cartão de boas-vindas” aos que perambulam dia e noite pela região.
Perguntados se a medida não era demasiada, eles negaram e disseram que o recurso “afasta noia” sequer foi utilizado neste ano.
“Eles não respeitam ninguém. No início até tentamos ser conciliadores, oferecer água, mas passamos a ter celulares furtados, começou a sumir coisa da loja, e aí ficou complicado”, disse um dos vendedores, de 28 anos.
À reportagem, ele afirmou que, além de assustar, o pedaço de pau, batizado como “Celso Surraosmanos” – homenagem ao deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP), conhecido por suas ações de defesa do consumidor –, também impede que os usuários durmam e façam suas necessidades na porta do comércio.
“Todo esse quadrilátero aqui foi ‘pacificado’, eles já foram muito bem avisados que não podem ficar ‘marcando’ aqui, senão a gente resolve rapidinho”, finalizou o vendedor.
PROBLEMA ANTIGO
Ponto de moradia para pessoas em situação de rua e usuários de álcool e drogas, a antiga rodoviária de Campo Grande foi palco de diversas etapas da Operação Laburu, das Polícias Civil e Militar, que, em 2019, tentaram combater o uso e o tráfico de drogas nas imediações da antiga rodoviária.
Segundo a Polícia Militar, à época, centenas de pessoas “que estavam em atitudes suspeitas” foram abordadas, além de outras tantas terem sido conduzidas para a delegacia.
Realizada geralmente pela manhã, a ação teve como objetivo recapturar foragidos da Justiça, apreender armas e outros objetos de crimes, além de promover, segundo a Polícia Militar, “uma maior sensação de segurança aos comerciantes e moradores locais”.
NÚMEROS
Concomitantemente a isso, dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) mostram que as apreensões de drogas em Mato Grosso do Sul registraram um aumento de 30% em 2024.
Entre janeiro e novembro do ano passado, o volume total de entorpecentes interceptados chegou a 525.163,6 kg, ante os 403.540,8 kg recolhidos no mesmo período de 2023.
A Superintendência de Inteligência de Segurança Pública e a Coordenadoria de Fiscalização e Controle, setores vinculados à Sejusp, apontam que o maior volume foi registrado no interior do Estado, com 471.060,6 kg. Já a Capital somou 54.103,0 kg.
O levantamento revela uma variação de 6% em ocorrências relacionadas ao tráfico, levando em consideração o mesmo comparativo. Em 2024, foram registradas 3.759 ocorrências, contra 3.558, em 2023.
SAIBA
Conforme apurado pelo Correio do Estado, o fluxo de usuários de droga na região se intensifica a partir das 18h, sobretudo nas ruas Japão e Bom Sucesso, localizadas na Vila Marcos Roberto, situada no entorno da Vila Nhanhá, em Campo Grande.