Total de 244 leitos destinados a pacientes com transtorno mental ou com algum problema intelectual decorrente de álcool e drogas deve ser implantado em Campo Grande no prazo de dois meses. A recomendação para que sejam criadas novas vagas com o objetivo de atender à demanda da Rede de Atendimento Psicossocial é do Ministério Público do Estado (MPE) – publicada no Diário Oficial na semana passada.
Dados mostram aumento gradativo, nos últimos anos, de tentativas de suicídio, que, segundo a recomendação, podem ter relação com a falta de leitos psiquiátricos – para internação – nos hospitais da Capital.
Segundo o documento, foram 750 tentativas de suicídios em 2014, 812 em 2015, 868 em 2016, 1.086 em 2017 e, por fim, 1.127 em 2018, representando um aumento de 50% nas tentativas em quatro anos. Os números de casos consumados aumentou em 48%, saindo de 49 em 2015 para 73 em 2018.
De acordo com dados do Corpo de Bombeiros, 48 tentativas consumadas foram contabilizadas de janeiro a agosto de 2019. “Se continuar assim, este ano vai ser maior que o ano passado, pois, na projeção de mês a mês, este ano já superou 2018”, afirmou o tenente Lucas Medrado, ouvido pelo Correio do Estado.
ONDE TEM VAGAS?
Campo Grande conta atualmente com 159 leitos psiquiátricos para pacientes com deficiência ou usuário de álcool e drogas, sendo 65 do Sistema Único de Saúde (SUS) e 94 particulares. Esse número equivale a 39% do adequado para a Capital, se levar em conta o número de habitantes da cidade. Conforme Filomena Fluminhan, promotora de Justiça da área da saúde, a portaria ministerial regulamentada pela Nota Técnica nº 11, de 2019, diz que a referência é de um leito para cada 2,2 mil habitantes. A população do município é estimada em 985,9 mil pessoas – segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – ou seja, a Capital deveria ter ao menos 403 leitos psiquiátricos de internação hospitalar.
Na cidade, 53 leitos do SUS estão no Hospital Nosso Lar e 12 no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS). O setor de psiquiatria da Santa Casa já havia sido reduzido a poucos leitos e, em setembro de 2017, foi fechado definitivamente. Há dez anos, o hospital comportava 48 leitos para internação e mil consultas, mas neste período sofreu redução de 90%.
O médico psiquiatra Juberty Antonio de Souza diz que a questão foi criminosa e a população da Capital passou a ficar ainda mais desassistida do que já estava. “Precisaria de 800 leitos psiquiátricos em Campo Grande para atender os doentes mentais”.
O psiquiatra declarou também que os hospitais não querem atender pacientes com doenças mentais por receio do que possa acontecer e também por conta do trabalho que esse tipo de paciente demanda. “Os hospitais não querem mais receber esse tipo de paciente [com problemas psiquiátricos]”.
No mês passado, um enfermeiro do Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) Aero Rancho, na Capital, foi esfaqueado por um paciente, que apresentou surto psiquiátrico e golpeou a vítima três vezes com uma faca. Conforme informações da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), o paciente estava em acompanhamento no local e teve uma reação inesperada. No momento da agressão, o atendimento estava normal e não havia demora ou filas, ou seja, o caso foi em decorrência de um surto repentino, de acordo com a pasta.
CAPS
Há quatro Caps em Campo Grande, que atendem especificamente pacientes que sofrem de depressão, mas o trâmite para que essas pessoas sejam encaminhadas aos centros é muito burocrático. A médica explica que o paciente precisa ir até uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e, a partir de uma consulta, que deverá ser agendada com antecedência, será avaliado por médicos que definirão se ele será encaminhado para algum Caps.
O secretário municipal de Saúde, José Mauro Pinto de Castro, diz que a recomendação do MPE está sendo analisada juridicamente pela pasta. “É [um número] muito expressivo. Está fora da nossa realidade”. Castro também informou que o projeto de um Caps no Coophavila, com mais 20 leitos, está sendo finalizado, além de parceira com o governo do Estado para a abertura de mais 36 leitos no Hospital Nosso Lar.
Como estratégia para tentar diminuir o índice de suicídios na Capital, a Sesau criou o Programa de Prevenção ao Suicídio. Aqueles pacientes que tentaram, mas não chegaram a consumar o ato, foram “fichados” na rede pública de saúde. Posteriormente, eles são contactados e encaminhados, diretamente, para receber atendimento no Centro de Especialidades Médicas Municipal (CEM).
“Campo Grande está entre as capitais que têm o maior índice de suicídios no Brasil. Eles são atendidos sem precisarem esperar em filas, de segunda a sábado”, explicou a médica psiquiatra da Sesau, responsável por doenças mentais, Ana Carolina Guimarães.
Para Juberty, o maior problema é a política nacional para atendimento psiquiátrico, que está com ideologia inadequada. “Por muito tempo, doença mental era considerada invenção da sociedade, e o resultado disso foi o fechamento de 90 mil leitos nos últimos anos, em todo o Brasil”, afirmou o profissional.
