Juíza há 23 anos, Mariel Cavalin dos Santos conquistou um feito inédito em sua carreira ao tornar-se a primeira magistrada mulher a chefiar a Amamsul, a Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul.
“É a responsabilidade de uma mulher no comando já que, pela primeira vez, isso ocorre: terei de representar minhas colegas magistradas à altura e dignidade que todas as mulheres merecem; e o fato de a magistratura sempre ter sido uma instituição tradicionalmente ocupada por homens, inclusive, ainda hoje, o número de homens na magistratura se sobrepõe, significativamente, ao número de mulheres, torna ainda mais desafiador”, disse a nova presidente da entidade dos magistrados de MS, que toma posse no dia 15, quinta-feira.
Mariel ocupa hoje a 16ª Vara Cível de Competência Residual em Campo Grande. Antes, a magistrada atuou nas cidades de Aparecida do Taboado, Cassilândia e Inocência, cidades do interior de MS.
Ao Correio do Estado, Mariel disse ter aceitado o desafio de comandar a Amamsul para “defender as prerrogativas constitucionais e orgânicas, bem como os direitos, as garantias e os interesses individuais e coletivos da magistratura estadual”. Mariel disse ainda que a carreira no judiciário é um sonho que admirava desde a infância.
Leia a íntegra da entrevista.
Depois de quatro décadas, a Amamsul será chefiada por uma juíza, um desafio e tanto em sua carreira, não é?
Sem dúvida, só o fato de presidir uma associação em si exige grande responsabilidade e dedicação, pois, independentemente do gênero, é alta a expectativa que normalmente se atribui a um colega recém-eleito e nem se diga que o momento atual da magistratura é desafiador: exige maturidade, experiência e interlocução com os colegas, com a Administração e com os demais Poderes Constituídos.
Muito mais ainda é a responsabilidade de uma mulher no comando, já que, pela primeira vez, isso ocorre: terei de representar minhas colegas magistradas à altura e dignidade que todas as mulheres merecem; e o fato de a magistratura sempre ter sido uma instituição tradicionalmente ocupada por homens, inclusive, ainda hoje, o número de homens na magistratura se sobrepõe, significativamente, ao número de mulheres, torna ainda mais desafiador e, ao mesmo tempo, abre a oportunidade de inclusão de uma percepção feminina na condução da associação, por conta das qualidades inerentes de toda mulher, em especial, a sensibilidade, a resiliência e a determinação.
E como foi receber o apoio da maioria?
Tenho, portanto, que agradecer aos meus colegas a confiança e a consideração depositada em mim e em os demais membros da chapa que se dispuseram a enfrentar ao meu lado esse grande e importante desafio.
Aliás, o resultado dessa eleição é uma comprovação de que a magistratura sul-mato-grossense está conectada com os movimentos contemporâneos de visibilidade do tema da participação das mulheres nos espaços e instituições de poder.
A ideia de se candidatar à presidência da Amamsul foi uma vontade sua ou foi incentivada por colegas?
O que me motivou, desde o princípio, a aceitar esse desafio de me candidatar, foi o pensamento de abraçar a causa do associativismo, em consolidar os laços entre os nossos pares e também para dar minha contribuição pessoal para a magistratura do nosso Estado, a fim de buscar melhor qualidade de vida aos associados em geral e, em especial, no trabalho.
A principal função à frente da Amamsul será atender aos associados em suas solicitações e necessidades, no tempo mais breve e de forma mais eficiente possível. Em suma, defender as prerrogativas constitucionais e orgânicas, bem como os direitos, as garantias e os interesses individuais e coletivos da magistratura estadual.
Assim que assumir a presidência, já terá engatilhado seu primeiro projeto? E quando será a posse?
A posse ocorrerá no dia 15 de dezembro. Quanto aos projetos, a prioridade básica é voltar os esforços para os associados propriamente ditos, direcionando a atenção e empenho para as necessidades efetivas de todos os colegas: ativos, inativos e também pensionistas.
Durante a campanha, nossa chapa criou 4 eixos de ação: 1) eixo institucional e de defesa da magistratura; 2) eixo integração aposentados e pensionistas; 3) eixo de capacitação e aprimoramento das práticas judiciais; e 4) eixo social e do patrimônio.
Dentro de cada um desses eixos, estabelecemos ações variadas para o atendimento, em sua plenitude, dos objetivos associativos, os quais pretendemos, ao longo dos dois anos, implementá-los.
É preciso ressaltar que, assim como o nome da nossa chapa, nosso mote é “Diálogo e Valorização”, ou seja, procuramos maior integração e consenso entre os membros, diálogo com a Administração do Tribunal e também com os outros
Poderes, além de buscar maior autonomia, valorização e dignidade da magistratura, em vista à qualidade de vida dos magistrados no trabalho, com melhor estruturação dos gabinetes e que refletirá na prestação de serviço mais célere e de excelência ao jurisdicionado e também na vida individual de cada associado.
Ao longo de sua carreira, houve alguma situação em que foi discriminada por ser mulher?
Sim, enfrentei preconceitos, mas todos superados com bastante diálogo e, principalmente, com atitudes firmes e coerentes, demonstrando que mulheres são competentes e capazes na mesma medida; portanto, gênero nunca foi sinônimo de inferioridade.
Doutora, conta um pouco sobre seu ingresso na magistratura, era uma ambição profissional antiga ou seguiu a profissão de alguém da família?
Eu sempre admirei a carreira, desde a infância, penso que em razão de alguns exemplos de conduta de magistrados que passaram pela minha vida.
O gosto pela leitura também sempre esteve presente e estimulado na minha história, então minha escolha pelo tradicional curso de Direito foi uma feliz consequência. Durante a faculdade, passei por diversos estágios.
Ao término, fui para a cidade de São Paulo, onde fiz alguns cursos preparatórios para concurso público, trabalhei como assistente no extinto Tribunal de
Alçada Criminal do Estado de São Paulo e, nesse período, sempre estudando, fui aprovada no concurso da magistratura no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, no ano de 1999.
Portanto, minha carreira se iniciou com a posse em 4.11.1999. Fui designada como juíza substituta para atender à comarca de Inocência, na sequência, me titularizei na mesma comarca, onde permaneci até junho de 2001.
Em seguida, fui promovida para a comarca de Cassilândia, onde fiquei por 5 anos, aproximadamente. Após, me removi para Aparecida do Taboado, onde optei por permanecer por 11 anos. E, em 2017, decidi que era o momento de me inscrever e fui promovida para a 16ª vara cível residual da Comarca de Campo Grande, onde estou até hoje.
Como funciona a questão de presidir a entidade que cuida dos interesses dos magistrados, enquanto presidente, afasta-se de suas atividades?
Sim, há previsão do afastamento das atividades judicantes ao eleito. Com as atribuições institucionais variadas e a exigência de cumprimento de metas rigorosas pelo CNJ, penso que é inviável o exercício de ambos concomitantemente.
Mato Grosso do Sul é composto por 79 municípios e quase todos contam com serviço do Judiciário. Pensa em sua gestão conhecer a realidade de cada região, dos profissionais que lá atuam?
Com certeza, uma das ações que pretendo desenvolver é estar junto aos colegas na realidade de cada unidade jurisdicional. Inclusive, em gestões anteriores, outros presidentes já tiveram essa atenção e cuidado com os associados.
Embora alguns programas já adotados tenham encurtado a distância entre juízes e a sociedade, o assunto é recorrente. A senhora vê ainda essa distância e tem como mudar isso?
O Poder Judiciário é um poder que demorou muito tempo para entender que a aproximação com a sociedade era importante para a própria natureza da função e da relevância que desempenha na sociedade, porém, várias ações têm sido realizadas ao longo dos últimos anos que, paulatinamente, vêm aproximando ambos.
A produção do Judiciário sul-mato-grossense, ao menos em relatórios de âmbito nacional, aparece bem, ou seja, com destaque positivo, é isso mesmo? Tem como melhorar ainda mais?
De fato, nossa produção é muito boa e reconhecida positivamente no âmbito nacional, tanto que, neste ano, o TJMS recebeu o Selo Ouro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas sempre é possível melhorar: pensando nisso, as Administrações do Tribunal de Justiça têm se esforçado para implementar ferramentas e fornecer equipamentos para que a cada ano a produção dos magistrados de Mato Grosso do Sul melhore um pouco mais.
Tudo é dinâmico no direito e, portanto, nada está tão bom que não possa ser melhorado.
Perfil: Mariel Cavalin dos Santos - Titular da 16ª Vara Cível Residual na comarca de Campo Grande, Mariel Cavalin dos Santos é juíza desde 1999.
Atuou como magistrada pela primeira vez de uma comarca em Inocência e já passou pelas comarcas de Cassilândia e Aparecida do Taboado, todas essas antes de se mudar para Campo Grande. Foi eleita presidente da Amamsul com 152 votos, em novembro deste ano.