Ela não está na bandeira do município nem tem título de cidadã paraisense, mas faz parte do dia a dia de Paraíso das Águas. A seriema se tornou a ave mais comum no município mais jovem de Mato Grosso do Sul.
A cidade já convive com essa ocupação, que aparentemente está se acentuando neste ano, desde sua emancipação, em 2003.
A ave chama atenção por onde passa porque não se trata de uma espécie comum em muitos lugares. Ela não tem penas coloridas, mas seu tamanho é o que impressiona. Ela pode chegar a 90 centímetros na fase adulta e pesar cerca de 1,5 kg.
A plumagem dela é cinza-amarelado, com as patas e o bico vermelhos e o abdômen, muitas vezes, um pouco mais claro que o resto do corpo. Além disso, é uma das poucas aves que têm cílios e podem se alimentar de cobras, além de insetos e pequenos vertebrados.
É fato que ela pode ser encontrada em todo o Brasil. Porém, conforme dados do Zoológico do Distrito Federal, no Centro-Oeste há uma ocorrência mais comum, bem como no Nordeste e no Sudeste. Além disso, na Bolívia, no Paraguai, no Uruguai e na Argentina, a seriema também deixa sua presença.
O caso envolvendo Paraíso das Águas tem uma história mais particular. Recentemente, houve a realização do evento mundial chamado Big Day, que conglomera observadores de aves por todos os continentes para realizar registros nas mais diversas localidades.
Mato Grosso do Sul, em especial, tem se consolidado nessa atividade por conta de uma mobilização que vem crescendo nos últimos dois anos. As seriemas começaram a atrair olhares de quem não vive na cidade, após os muitos registros que foram feitos.
Locais como o Pantanal, em Corumbá e em Miranda, são tradicionais por terem uma fauna muito diversificada para aves. Não ocorre essa mesma pluralidade em Paraíso das Águas. O que as seriemas fizeram por lá foi “roubar” a cena da diversidade para se tornarem mais que comuns. Em vez de encontrar cães ou gatos na rua, são seriemas por lá.
PRESENÇA
Observador de aves, Maurício Paiva reconheceu que, de dois anos para cá, a presença de seriemas tem ficado cada vez mais em evidência na zona urbana. “Aqui na cidade, elas são mansas, ficam o tempo todo andando pelo Centro, pelas ruas.
Eu moro aqui há oito anos, e elas andam com tranquilidade. Eu vejo que desde o começo deste ano parece que tem aumentado o número delas”, pontuou.
Como essas aves são muito mansas e não se incomodam com a presença humana, ao menos em Paraíso das Águas, nem quando carros ou motos chegam próximos elas decidem sair de onde estão. Essa situação causou o atropelamento de uma seriema nesta semana.
Aparentemente, o pássaro teve uma asa quebrada, mas logo foi tratado pelo serviço veterinário da prefeitura local.
“Igual as capivaras que ficam na UFMS [em Campo Grande], que tem uma quantidade grande e de vez em quando ocorre um atropelamento. É desse jeito que está por aqui”, revelou o observador de aves, que é funcionário público.
As condições favoráveis para haver tantas aves como essa na região é que Paraíso das Águas tem uma conexão com a zona rural. O município tem cerca de 5,7 mil habitantes e seus limites se confundem com o campo.
Há muitas pastagens e áreas com plantação de soja, tipo de cultura que favorece sua presença.
Seu status de conservação também é considerado pouco preocupante, o que garante uma população grande. Porém, conforme o WikiAves e dados da Ornitologia Brasileira, a maior ameaça para as seriemas é a caça, além da destruição e da fragmentação do habitat.
Pelo menos com relação à caça, elas não enfrentam perigo em Paraíso das Águas. Contudo, ainda com dados superficiais, o habitat delas, formado pelo campo no Cerrado, tem sido aos poucos reduzido na região, fazendo com que elas procurem a cidade como refúgio.
A bióloga e educadora ambiental Maristela Benites acompanhou essa presença das seriemas no município próximo a Costa Rica. Ela também é observadora de aves e tem um trabalho amplo nesse campo em todo Mato Grosso do Sul. A especialista não chegou a realizar um estudo sobre o caso das seriemas, mas também confirmou que existe um registro comum dessas aves.
“De modo geral, a seriema [Cariama cristata é o seu nome científico] é uma espécie que habita áreas abertas, sobretudo campestres, e deve haver condições que favoreçam a presença de seriemas no perímetro urbano. Paraíso, o último município de MS a se emancipar politicamente, possui baixo número de habitantes e a área urbana é conectada à rural. Ao mesmo tempo que há produção agropecuária no município, com substituição da vegetação nativa, há remanescentes vegetacionais que permitem o trânsito delas entre zona urbana e rural”, explicou Maristela.
A especialista ainda reconheceu que a convivência harmoniosa entre a população e as seriemas acaba contribuindo para que elas sejam tão comum nas ruas e nas casas.
“As condições de baixa demografia da população humana, baixa exigência ecológica desta espécie, proximidade entre zona urbana e rural e uma possível convivência harmoniosa com as pessoas faz com que elas se sintam acolhidas na cidade, possibilitando que passem boa parte da vida no espaço urbano”.
Uma seriema pode viver em torno de 25 anos, conforme dados do Zoológico do Distrito Federal. E, em Paraíso das Águas, não são só as emas que se apresentam. De tempos em tempos, algumas emas também são vistas. Em agosto de 2021, a esposa de Maurício viu na frente da casa deles uma ema com 20 filhotes passeando. Houve o registro do avistamento. Essa espécie chega a pesar 23 kg.