“Na bruma leve das paixões que vêm de dentro, tu vens chegando pra brincar no meu quintal”, recita, com carinho, a bancária Thayse Cardoso de Melo, 28 anos.
As palavras emprestadas da música Anunciação, de Alceu Valença, são como uma oração de agradecimento pelos três anos de espera para entrar na fila de adoção.
Agora no topo da lista e prestes a receber a ligação que deve mudar a sua vida, Thayse decidiu produzir memórias para o futuro, com direito a ensaio de “gestante” e homenagem aos avós.
“Eu entrei na fila agora, eu estava no processo de adoção, dei entrada há mais ou menos três anos. E tem toda uma burocracia no processo, documentação, análise psicológica e social também. Na semana passada, o juiz deferiu o pedido, finalizou o processo e agora eu estou oficialmente na fila", conta Thayse.
"Como eu dei entrada em uma comarca de Batayporã, que é uma cidade pequenininha, a última pessoa que estava na fila dessa comarca tinha acabado de adotar duas crianças, então, agora eu sou a próxima”, acrescenta.
À espera do filho ou da filha, Thayse decidiu criar memórias para que a criança perceba no futuro o quanto foi amada desde o início.
“Aconteceu tudo bem de última hora. Meu pai não mora aqui, ele mora em Recife e estava aqui por coincidência. Eu tinha até comentado, seria tão legal se o juiz assinasse o pedido enquanto meu pai está aqui para a gente fazer umas fotos e guardar de recordação. E quando eu disse isso, eu entrei no processo e vi que o juiz tinha assinado nesse mesmo dia”, contra, surpresa
Thayse contou para os irmãos e amigos próximos, pensando apenas em personalizar canecas para dar de recordação para os futuros avós, mas os amigos acabaram não deixando.
“Uma colega trabalha com vídeo e foto. Foi ela quem sugeriu entregar em algum lugar e que ela faria um videozinho. Não foi nada programado, um ajudou de um lado, o outro de outro, um comprou um balãozinho e, enquanto eu estava no trabalho, uma amiga buscava tal coisa, outra pessoa pegou meus pais em casa e enganou eles. Foi tudo de última hora e nada ensaiado”, relembra.
O resultado foi um ensaio ao ar livre, com direito a ursinhos de pelúcia vestidos de rosa e azul e balões com os dizeres “Tu vens” e “Eu já escuto os teus sinais”.
Grávida do coração, Thayse assumiu para o mundo que a qualquer momento estaria com o filho nos braços e em troca recebeu muitas mensagens carinhosas.
“Desde o começo as pessoas mais próximas sabiam, mas no geral era uma coisa minha, da minha família e dos amigos bem próximos. Até porque uma pessoa ou outra que eu comentava sempre vinha com um comentário meio desanimador. Então eu decidi não compartilhar com ninguém", conta.
"Quando a gente fez, eu ainda fiquei na dúvida de postar nas redes sociais, mas pensei que agora está tudo certo, o juiz já assinou. Então vou publicar mesmo que as pessoas comentem alguma coisa desagradável. Mas, na verdade, a reação foi bem diferente do que eu imaginava. Eu recebi mensagens de muito apoio e muito carinho”.
Amor sem medidas
Jovem e solteira, Thayse aprendeu ao longo do caminho da adoção que além da espera e da ansiedade pela chegada do filho precisaria lidar com os comentários negativos de quem descobria o seu desejo.
“A maioria dos comentários era relacionada ao fato de eu ser solteira e atrapalhar um futuro casamento, de conhecer alguém que aceite, porque as pessoas falavam que já é difícil alguém aceitar uma mãe com filho, imagina uma mãe com filho adotado. Uma criança que não sabe de que família veio. Também falaram que eu poderia ter meus filhos parecidos comigo, que eu não saberia de onde a criança está vindo ou a genética que ela vai carregar. Não foram poucos comentários, até hoje ainda me falam”, frisa.
Mesmo assim, nada fez Thayse desistir da adoção, que ela deseja desde a infância.
“Então, na verdade, era uma vontade muito antiga, desde criança meus pais levavam eu e meu irmão para visitar abrigos em projetos sociais e eu sempre falei que quando eu fosse adulta eu adotaria. Na época, achei que seria um processo diferente, primeiro os filhos naturais e depois os adotivos", disse.
"Mas nos últimos anos comecei a pensar mais, ter mais contato com as crianças no abrigo, e achei que a ordem na cronológica deveria ser diferente até para que a criança percebesse o quanto ela é a prioridade, de vir primeiro e não ser a última opção”, aponta.
Natural de Natal, no Rio Grande do Norte, Thayse morou muitos anos em Campo Grande até passar no concurso público e se mudar para Batayporã.
Foi apenas nos últimos meses que optou por alterar a residência para a cidade vizinha, Nova Andradina.
“Eu estava muito ansiosa, até porque a cidade é pequena e eu tinha contato com as crianças dessa comarca, o que gerava muita expectativa. Continuo indo para Batayporã a trabalho, mas vou menos. Minha mãe agora também mora na mesma cidade que eu e isso ajuda muito”, frisa.