“Nós fomos educadas a usar rosa, adorar longos cabelos, não aceitar os cachos e usar roupas comportadas. Tudo o que foge disso faz muita gente entortar o nariz, e o mais triste é que isso está enraizado em homens e mulheres”, afirma a jornalista Thayara Barboza, 32 anos.
Uma verdadeira camaleoa, Thayara assumiu recentemente o corte no estilo bob undercut, em que os fios são raspados por baixo, mas de uma forma quase imperceptível à primeira vista. Com tantas mudanças no cabelo ao longo dos anos, ela confessa que já precisou lidar com críticas e julgamentos disparados de todos os lados.
“O preconceito está em todos os lugares, assim como os julgamentos velados. A cada novo corte ou mudança de cor, escuto: ‘Você vai ficar careca’, ‘Não tem mais o que cortar’, ‘Você não tem dó do seu cabelo’ ou ‘Queria ser desapegada como você’. Antes eu elaborava respostas gigantescas, hoje eu dou risada e tento explicar que amo meu cabelo e que a possibilidade de brincar com ele é maravilhosa”, afirma.
O desejo de adotar um estilo curtinho sempre fez parte da jornalista, mas ela esperou muito tempo até ter a coragem de raspar. “Desde pequena, sempre tive muito mais afinidade com o cabelo curto, minha mãe quem cortava, então, era um ‘chanel com nuca batida’ e quase sempre uma franjinha”, relembra.
Durante a adolescência, influenciada pela moda da época, Thayara até tentou se acostumar com o cabelo comprido. “Você tenta se ajustar aos padrões. E assim foi um longo período com cabelos compridos, mesmo a contragosto, e eu não encontrava um jeito de ser feliz com ele. Vivia preso, com coque ou trança, e era um desgaste. Com um pouco mais de maturidade, no fim da adolescência voltei para um corte mais curto, mas, ainda assim, longe das opções que já fiz na vida adulta. Naquela época, ainda estava presa aos protocolos e padrões de ‘cabelo de menina’, e isso gera um desgaste. No fim, crescemos presas a algumas regras que nem sabemos de onde vêm”, acredita.
Camaleoa
Nessa busca por um estilo, Thayara teve cabelos castanhos – em vários tons —, com luzes, platinados e ruivos. Isso só entre os curtinhos. “Eu falo que meu cabelo é igual meu metabolismo, feito para mim. Eu cuido muito dele, em casa e no salão. Por isso falo que não é questão de desapego, existe muito cuidado em cada processo”, frisa.
Para resguardar todas essas possibilidades de mudança, Thayara fez até um contrato verbal com o namorado da época.
“Passado o período de inseguranças da adolescência, quando assumi a mim mesma que cabelo curto era o meu estilo oficialmente aos 22 anos, tinha até uma espécie de contrato verbal com o namorado da época, de que ele não poderia tentar intervir ou questionar meus cortes, como o anterior fazia. Naquela época, já surgiu a vontade de raspar a lateral. Era o tal sidecut, mas óbvio que ainda não sabia o nome e via meninas muito empoderadas com essa opção, mas ainda não tinha tanta autoconfiança para fazer”, relembra.
A primeira vez com a máquina de raspar foi em 2019, quase 10 anos depois do desejo inicial. “Comecei com uma lateral bem tímida. Mas brincar com os tipos de corte e com as cores do meu cabelo é parte do meu processo de fortalecer minha autoestima. A sensação é incrível, uma mescla de empoderamento e um pouquinho de transgressão, confesso. Mas o que prevalece é o quanto sinto que reforça minha feminilidade, pois, apesar de parecer agressivo, é algo extremamente delicado”, pontua.
Inclusive, durante os anos de transformação, Thayara descobriu que muitas mulheres evitam cortar o cabelo justamente pela opinião contrária dos homens, que, em um ato machista, acreditam que podem influenciar na decisão.
“Não digo que todas as mulheres devam ter cabelo curto, mas as que gostam poderiam e deveriam ter. Fico frustrada como mulher quando ouço de alguma amiga que elas amam cabelo curto, mas os maridos ou os namorados não aceitariam, ou que não cortam por medo da mudança. Para você ter uma ideia, já fui ‘rejeitada’ por cabeleireiro, que não aceitou fazer o corte que eu pedi, por medo de eu me arrepender. Por isso é preciso escolher um bom profissional. Eu acredito que toda mulher deveria experimentar a sensação de fazer o que quer fazer, com seu cabelo, seu corpo e sua vida. É libertador”, acredita.
Depois que o corte foi feito, Thayara e o cabeleireiro responsável pelo corte, João Marques, publicaram as fotos nas redes sociais. A repercussão foi instantânea e, para a jornalista, o que era um sentimento apenas seu ganhou eco na internet.
“Graças a internet, encontro mulheres e homens do mundo todo que amam e respeitam meus cortes, meu estilo e, com isso, hoje posso dizer que faço parte de uma rede mundial de pessoas apaixonadas por seus cabelos curtinhos, que estão sempre esperando novos cortes e novas transformações. Depois que nós publicamos, eu recebi mensagens de mulheres que gostam, que querem saber qual é a sensação de fazer, que em seu país não é comum – isso uma menina da Índia que conversa bastante comigo que falou. Tem uma mulher da Tchecoslováquia que fala que adora, o marido também, mas isso já atrapalhou o trabalho dela, porque é fotógrafa de eventos familiares”, frisa.
Nesse percurso, o mais importante foi o apoio e a certeza de estar no caminho certo. “Meu cabelo não é a corrente que me prende a um padrão de beleza feminina, é a chave que me liberta”, acredita.