“Olha pro céu, meu amor. Vê como ele está lindo!”. Os versos do conhecido forró de Luiz Gonzaga e José Fernandes seguem falando de um balão multicor que “no céu vai sumindo”.
Em Campo Grande, onde a renitência magnética da visão celeste não para de render poesia (e prosa, filme, pintura, música...), a multiplicidade de cores quando olhamos para cima vem acompanhada de canto e de movimento.
Por volta de 400 espécies de aves são avistáveis, a olho nu, praticamente em todas as regiões da cidade em diferentes horários.
Para se ter uma ideia de tamanha diversidade, e oportunidade, é só imaginar que, sem a necessidade de viagens ou orientação de grupos e de especialistas, é possível conhecer nada menos que 47% das espécies encontráveis no Cerrado brasileiro.
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Por conta de tanta beleza plumada disponível, a cidade, considerada por quem entende do assunto a capital brasileira da observação de aves, vive um dia ecologicamente especial no sábado, quando celebra-se o Global Big Day.
O evento propõe 24 horas de observação dos encantadores seres alados em todo o mundo.
É uma forma de festejar o encanto visual que o birdwatching oferece e ao mesmo tempo fazer um alerta ambiental de grande escala.
Mais ou menos espécies no céu pode significar desequilíbrio ecológico, sobretudo em áreas urbanas ou de recuperação de um bioma.
Os olheiros tarimbados convidam iniciantes e curiosos a gastarem um tempinho do dia com esse agradável exercício de admirar, em qualquer lugar, os adoráveis bichinhos.
Tendo um binóculo e outros equipamentos, pode-se ter alguma vantagem na espiada. Mas o céu está aberto a todos.
O chorozinho-de-bico-comprido, o fim-fim, o pula-pula-de-sobrancelha, o surucuá-de-barriga-vermelha, a seriema, o pitiguari, o soldadinho, o uirapuru.
E, sim, também corujas, araras e tucanos cobrem o céu de Campo Grande diariamente e não devem descansar no sábado.
“Estão todos convidados a participar”, convoca a bióloga Simone Mamede, que fez doutorado na Uniderp e trabalha com pesquisa ambiental e ecoturismo.
De 10 a 90 centímetros, tomando a comparação nos tamanhos entre um fim-fim e uma arara, tem para todos os olhares.
CIDADE HOTSPOT
“A ideia neste período de pandemia é fazer a observação de aves com seu núcleo familiar, seja no quintal de casa, na janela e em áreas seguras”, orienta Simone, de 48 anos, que se especializou na temática e acabou se tornando fotógrafa.
Simone e Maristela Benites criaram, em 2010, um instituto para aprofundar os estudos na área. Maristela é fera no assunto. Além de bióloga, tornou-se ornitóloga, especializando-se em aves do Cerrado, do Pantanal e do Chaco brasileiro, com pesquisa de doutorado em ensino de ciências pela UFMS.
“No dia do evento, observadores de aves em todo o mundo participam e alimentam o ‘e-bird’ [plataforma de ciência cidadã] com listas de aves observadas”, diz Simone.
Na pesquisa desenvolvida pelas duas biólogas em parceria com outros naturistas, Simone identifica 30 áreas no território de Campo Grande que são consideradas hotspots – áreas importantes e propícias à observação – na malha urbana da cidade e em seu entorno.
Os parques (Sóter, Segredo, Bálsamo, Anhanduí, dos Poderes e das Nações Indígenas) e as áreas de proteção ambiental (APA’s) figuram na lista ao lado dos canteiros das avenidas Afonso Pena ou Ricardo Brandão e das praças Itanhangá e Leonor Reginato Santini.
MAPEAMENTO
O mapeamento da pesquisa conduzida por Simone, por Maristela e pela equipe serviu de base para um guia disponibilizado pela Prefeitura Municipal em seu portal na internet.
De março de 2016 a novembro de 2018, após amplo levantamento, indicadores sociais (segurança do lugar e do visitante, infraestrutura para observação) e ambientais (funcionalidade e impacto do paisagismo, heterogeneidade ambiental, grau de ameaça pela ação humana) serviram de filtro para demarcação das áreas.
São, no total, mais de 107 mil hectares. Cada hectare tem aproximadamente a extensão de um campo de futebol.
Tanto chão, e céu, assim satisfaz até as aves de rapina. Por enquanto, abasteça o olhar com o ensaio fotográfico da bióloga Simone Mamede, feito em seu quintal, no Jardim Batistão e outros recantos da cidade morena.
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