Apesar do fôlego que o início de um ano concede, a cultura em Mato Grosso do Sul ainda está longe de ter todos os projetos normalizados. Sem a vacinação garantida, com apresentações presenciais suspensas e restrições a aglomerações, fica difícil apresentar uma peça de teatro ou até mesmo gravar um filme, reduzindo a arrecadação e diminuindo ainda mais o público.
De acordo com a produtora cultural do grupo Circo do Mato Laila Pulchério, a expectativa de uma melhora está relacionada à vacinação da população. “Vamos ter que esperar essa vacinação, porque, por exemplo, nós temos um projeto de circulação em algumas cidades do Estado, mas é espaço público, é na praça, como que nós faríamos isso com segurança para ambas as partes?”, questiona.
O projeto recebe recursos do Fundo de Investimentos Culturais de Mato Grosso do Sul (FIC/MS) e tem prazo para ser concluído que, por enquanto, tem sido flexível por conta da pandemia. Além disso, o espaço oferecia oficinas de teatro e circo, que não são realizadas desde março de 2020, quando a Covid-19 espalhou-se pelo País. “Agora no fim do ano fechamos alguns trabalhos pontuais que são na rua, em pernas de pau. As pernas de pau são mais altas, então tem uma certa distância. Fizemos pela Prefeitura de Campo Grande e em drive-thru para algumas escolas da Capital. Alguns trabalhos meio que a gente consegue, para espetáculos mesmo, no espaço aberto e gratuito, mas ainda não voltamos, não montamos uma estratégia”, frisa.
O Circo do Mato tem sede própria e foi um dos locais que recebeu investimentos pela Lei Aldir Blanc. Segundo Laila, o valor foi de R$ 30 mil, em três parcelas. “Fizemos 10 inscrições para a Sectur e três para a FCMS, de outros circos e todas foram aprovadas. Já pagaram tudo. Disseram que poderíamos cobrir os gastos de abril até o fim do edital. Consegui botar muita coisa em dia, como contador, aluguel e outras contas do espaço”, explica.
Apesar do auxílio emergencial proporcionado pela lei no Brasil, nem todo mundo conseguiu o investimento. Foram assegurados R$ 3 bilhões para o setor cultural de todo o País e R$ 41 milhões para Mato Grosso do Sul, metade ao governo estadual e outra metade aos municípios, porém, no Estado, até agora só foram usados cerca de 25%.
O problema surgiu porque, embora a lei tenha sido aprovada em maio e a regulamentação tenha se concretizado em julho pelo Congresso Nacional, os recursos só foram disponibilizados pelo Ministério do Turismo aos estados e municípios no dia 19 de setembro, faltando três meses para o fim de sua vigência.
Em Mato Grosso do Sul, a Fundação de Cultura correu para viabilizar a Lei Aldir Blanc. A autarquia lançou 21 editais, totalizando R$ 4,1 milhões dos recursos disponibilizados, de um total de R$ 20 milhões para o governo do Estado. Também ofereceu o auxílio emergencial aos profissionais da área cultural, porém, somente 417 se inscreveram, por causa das regras.
Desgaste
Para o diretor e ator Espedito Di Montebranco, da Associação Artística Cultural Palco de Artes Cênicas, Esporte, Lazer e Promoção Social, a pandemia piorou um desgaste que já acometia o setor em Mato Grosso do Sul.
“A expectativa, não só por parte dos artistas, mas do ser humano em geral, é a de que possamos ser vacinados e que tudo volte ao menos a parecer o que era antes, porque não acredito que tudo voltará ao normal. Nestes meus 26 anos de trabalho artístico, consigo perceber que o setor cultural já vinha sendo desgastado e abandonado, mas com a pandemia veio o tiro fatal”, acredita.
Di Montebranco está com um projeto em andamento, o 1º Prêmio Campo Grande ao Teatro, financiado pelo Programa de Fomento ao Teatro (Fomteatro), da Prefeitura de Campo Grande. Inicialmente, o evento seria presencial, mas foi substituído por uma versão on-line. “De uns anos para cá aqui em MS tivemos diversos editais interrompidos, teatros fechados, e posso dizer que é um descaso por parte do governo estadual. Mas o teatro, a dança, a música e demais áreas iam para ruas e espaços alternativos, com investimentos próprios ou editais menores conseguíamos produzir, uma vez que não temos projetos para formação de plateia”, frisa.
Para o artista, a pandemia fechou os poucos espaços que restavam e tornou a realização dos eventos ainda mais complicada. “A Lei Aldir Blanc, que veio para socorrer artistas, poderá, e é quase certo, ter grande parte da verba devolvida ao Governo Federal. Acho que a pandemia veio para nos afastar mais ainda, porque a luta não é mais para mostrar nosso trabalho, mas para tentar sobreviver”, pontua.
Cinema
O cineasta Filipi Silveira precisou adiar os planos do primeiro longa-metragem “Até o Fim” por conta do avanço da pandemia. “Eu tenho um projeto que é uma soma de vários projetos contemplados em um só. É o primeiro longa-metragem que vou rodar em Mato Grosso do Sul. Esse projeto era para ter sido realizado em julho do ano passado”, explica.
Filipi tem o apoio de dois editais de financiamento, o FIC e o FMIC, o primeiro do Governo do Estado e o segundo da Prefeitura Municipal. “Também estou na terceira fase, que é captação de verba de empresas, porque verba extra nunca é demais”, frisa.
Por enquanto, Filipi também conta com a vacinação para que consiga realizar os projetos de forma mais tranquila. “Eu acabei jogando a produção para abril, mas nós estamos muito dependentes dessa vacina e de como será o cenário, que ainda é muito instável. Eu estou na torcida que até abril a gente tenha uma vacina”, completa Filipi.
O cineasta pontua que além dos problemas relacionados à pandemia, a cultura já estava sendo negligenciada em outros setores, como na Ancine. “Meu projeto também está em captação via incentivo fiscal pela Lei do Audiovisual, da Ancine. Está uma crise interna na Ancine, uma remontagem, e isso acabou deixando ela muito lenta. Esse projeto eu deixei para aprovação em 2019, era supersimples, mas tem essa morosidade que não é só por conta da pandemia. Estamos atravessando um momento em que a cultura está sofrendo algumas coisas que são mais fortes do que nós”, lamenta.