“O Brasil não é para principiantes”. A frase de Tom Jobim já apareceu na segunda temporada de “Filhos da Pátria” e, desde o primeiro episódio da série, exibido em 2017, descreve bem o que se vê em cena. Muda-se a época, o contexto histórico, mas os problemas e a velha cultura do “jeitinho brasileiro” se mantêm intactos. Uma forma extremamente sagaz de usar o passado para, na verdade, propor uma reflexão a respeito do presente. Não à toa, há uma série de referências atuais utilizadas em fatos históricos da década de 1930.
Na família Bulhosa, basta olhar os moradores da casa para identificar diferentes tipos de pessoas que, comumente, são vistas em discussões travadas aos montes pelas redes sociais. Do cidadão covarde e medroso que acaba se deixando levar pelo “sistema” da corrupção – dos pequenos atos às maiores barbaridades – à proletária que luta pelos seus direitos e busca, diante de uma sociedade elitista e preconceituosa, exercer seu direito a uma vida digna. Isso passando, é claro, pelos alienados que se influenciam por “fake news”, pela mídia ou mesmo por um simples disse-me-disse na rua.
Bruno Mazzeo foi muito feliz em proporcionar esse tipo de experiência, contrapondo o Brasil de hoje à própria história do país. E principalmente quando, entre uma temporada e outra, definiu uma passagem de tempo tão grande: de 1822 para 1930. Já dá para imaginar novas levas de episódios passando pela construção de Brasília e pela suposta caça aos marajás, seguido do movimento dos caras-pintadas dos anos 1990. Ou até mesmo em 2016, com a queda da primeira presidenta do Brasil e, depois, a passagem do poder da esquerda para a direita conservadora. Os personagens, aliás, parecem preparados para enfrentar qualquer uma das situações já vividas pelos brasileiros nesses 519 anos de descoberta.
Geraldo, papel de Alexandre Nero, se faz de bobo, mas tem plena noção de toda a sujeira que o cerca. Maria Tereza, vivida por Fernanda Torres, poderia facilmente passar despercebida pelo Século XXI, batendo panela nas ruas ou na janela e falando “tchau querida” – ou, no caso do texto de Mazzeo, “tchau querido”, anunciando o início da Era Vargas. Seus filhos, no entanto, caminham em direções totalmente opostas. Catarina, na pele de Lara Tremouroux, representa o feminismo e a luta pela independência que várias mulheres ainda enfrentam, mesmo hoje. Seja ela financeira ou emocional, rejeitando a ideia de condicionar sua feminilidade à promessa de um casamento promissor e priorizando seus estudos e anseios profissionais. Já Geraldinho, interpretado por Johnny Massaro na tevê, é o jovem (des)educado para não questionar o sistema e viver na ignorância.
Até na área de serviço do clã dos Bulhosa as referências são extremamente atuais. Afinal, discutir direitos trabalhistas – especialmente das empregadas domésticas – nunca foi tão atual quanto nos últimos anos. Aliás, nem mesmo a escravidão mostrada na primeira temporada soava tão histórica assim. Jéssica Ellen, como a batalhadora Lucélia, representa, ao lado de Lara Tremouroux, a visão mais sensata e realista da série. As duas, provavelmente, devem aparecer ainda mais juntas em cena, já que ambas as personagens travam uma luta idealista de quem busca o tal “cheiro” de um Brasil novo que nunca chega. Isso diante de uma família que fecha as janelas para o comunismo não entrar em casa.