Vou revelar uma coisa: não aguento mais ver mensagens e posts dizendo que tudo não passa de alvoroço de certa rede de televisão. Na qual, devo destacar, a maioria dos brasileiros acreditava piamente até um ou dois anos.
Aliás, não só acreditava como fazia dela seu oráculo. O mantra sempre foi; “Deu na Rede”, como quem atesta uma “verdade sacrossanta”. Cansei de ouvir pessoas em diversos lugares dizendo o refrão. Principalmente às segundas-feiras, um dia depois daquela enxurrada de informações e vaticínios do programa dominical.
Mas como bem disse o articulista da Folha, “O vírus não introduziu nada excepcionalmente novo, apenas acentuou ou escancarou tendências”. E a tendência, caros leitores, é negar com todas as forças a catástrofe que aí está. Sim, está. E não, ela não mata o mesmo número de pessoas que as doenças do coração, como me disse o médico com quem fiz consulta recentemente. Nem preciso dizer que saí do consultório devastada.
A questão também passa pela política, claro! Somos seres políticos e, acreditando ou não, responsáveis por nossas escolhas como cidadãos. Mas vou me abster de malhar em ferro frio. Já existem centenas de colunistas e analistas que são experts nesse tipo de análise.
Lendo um ensaio sobre a angústia desperta pela pandemia (peço perdão se não cito o autor; realmente não me lembro), percebi que, para além da negação, existe o medo da finitude por trás de tudo. Se eu minimizo a situação, ela não vai me afetar.
Parafraseando o filósofo francês, René Descartes estamos mudando a frase. Cogito, ergo sum (Penso, logo existo) para, grosso modo dizer: Nego, logo estou imune.
Pode ser cedo ainda para formular bem que tipo de suspensão é essa, mas ela está aí. Dizem que a morte não é o oposto da vida, é seu avesso. Ou seja, é quando percebemos, não sem impacto, a finitude da nossa existência. E é isso que nos angustia, pois ela nos lança cara a cara conosco e com o mundo em que não temos muitos amparos. E, vamos combinar, a maioria dos brasileiros, para falar do nosso quadrado, não tem nenhum.
Talvez até o apelo (e a discórdia) pela volta ao trabalho à normalidade — para além de necessidades reais e dos desejos pujantes, já que nos foi subtraído o próprio convívio amoroso com as outras pessoas — tenha força não apenas por causa da economia, mas porque carrega a esperança de acabar com a angústia, de tapar o buraco que foi cavado por um reles vírus.
O mesmo médico que minimiza a pandemia também diz que o mais difícil é tratar a mente, o medo que tomou conta das pessoas. Isso porque a angústia nos deixa à deriva, literalmente como um náufrago. Nessa analogia, cabe aqui dizer que talvez nos tentem confundir com visões ao longo do oceano. Será um transatlântico ou um barco salva-vidas?
A angústia coloca em jogo o nosso ser, as nossas certezas. Deflagra nossa impotência diante das cenas que vemos todos os dias. Sofrer a angústia dos dias e noites repletos de pesares, perdas, lutas e omissões (muitas), sacode o nosso corpo inteiro durante 24 horas. Nesse cenário desolador se instala a ansiedade. Que, convenhamos, em algumas pessoas nem precisa de um gatilho tão forte. Ela está lá à espreita, pronta para invadir todo o seu ser, a sua vida, num piscar de olhos.
Sim, compreendo a negação que vem do medo. Entendo a negação que provém da dolorosa angústia. Entendo a negação de quem está vivendo o torpor da ansiedade. Só não entendo quem nega a realidade e os fatos por comodismo, ou algum tipo de fé cega. Não custa lembrar que a verdade é sempre muito incômoda, mas ignorar as circunstâncias que nos cerca pode ser muito pior.