Acredite se puder, mas houve um tempo em que o Brasil era considerado a nação do futuro, um gigante adormecido. O mundo inteiro acreditava que o país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza, como cantava Wilson Simonal, seria a “salvação da lavoura” – literalmente. Mera propaganda enganosa.
Na semana em que Pelé completou 80 anos vários articulistas, entre eles Jânio de Freitas, compararam a esperança que havia na época de Pelé à dura realidade atual. “Pelé era a representação de nossa alegria e graça; de nossa superioridade produzida pelo drible, o risonho engenho de dobrar o outro; pelo gol inevitável e fatal, nunca igual e nem mesmo semelhante; pela festa dos estádios celebrando o que ele fazia por nós. Pelé era o que nós queríamos que o Brasil fosse”, escreveu o jornalista.
A bem da verdade, o Brasil que temos é pífio e desanimador. Não dá para falar em esperança diante do atual cenário apocalíptico. Na maior crise sanitária global do século 21, contabilizamos na terça-feira (dia 27) 5.411.932 casos de Covid-19. Perdemos 152 mil brasileiros, número que muda a todo instante, para o vírus e estamos no quarto lugar no ranking de óbitos proporcionais à população, atrás apenas de Bolívia, Bélgica e Peru.
A economia também deve retroceder 5,8% em 2020 – e o Brasil bateu o recorde de desemprego, 13,8%, o maior índice desde o início da série histórica em 2012. Nem vamos falar aqui das perdas futuras provocadas por descuidos (mas podem chamar de crimes) ambientais. Não vamos nem falar do recuo na ciência, na educação. Nem vamos citar a banalização da violência e da intolerância. São favas contadas, leite derramado.
Sinceramente, não consigo vislumbrar um futuro que não seja retrocesso.
Tenho pena deste Brasil que nasceu sob o signo da submissão e da injustiça. Sinto pena dos brasileiros bombardeados todos os dias com falsas promessas e premissas. Tenho pena deste país continental submetido aos deleites, caprichos e vontades de um só homem. E um homem que não lê e um governo que sobretaxa livros.
Marina Colasanti, uma das grandes escritoras brasileiras, declarou em recente entrevista ao Sempre um Papo, com Afonso Borges, que quem não sabe ler literatura também não sabe ler as imagens nem consegue decodificar o que ouve. Ou seja, não tem visão do mundo, nem de si nem dos outros. E ainda cravou a frase certeira e autoexplicativa: “Quem não lê não é relevante, não merece tapete vermelho” disse a dama da nossa literatura.
Tenho pena de quem não lê. Também tenho muito medo da ignorância.
Muitos de nós estamos preocupados com a eleição americana, apostando que o resultado possivelmente possa influenciar os rumos da atual política brasileira. No entanto, não vejo a mesma preocupação com as eleições que vão acontecer bem no nosso quintal. Não nos interessamos pela escolha de quem decide o nosso dia a dia, os prefeitos e vereadores.
Às vezes sinto pena dos eleitores, embora o desinteresse e a ignorância não sejam motivos para benevolência. Estão sempre acreditando nas mesmas promessas vazias, sem perceber a perversidade do sistema que patrocina o autoengano. Pagamos para ser iludidos e ludibriados pela propaganda eleitoral. Mas ninguém liga. Poucos se interessam.
O brasileiro gosta de circo, adora palhaços e acredita piamente que a excentricidade, o diferente, pode ser um grande valor. Acostumou-se com a vassalagem, com a barbárie, com a fome, os desvios, o dinheiro na cueca e até com o preço do arroz. Para tudo se dá um jeito. O brasileiro é um crédulo por natureza e ingênuo por costume.
O Brasil de Pelé hoje não passa de um Brasil nostálgico. O país do futuro tornou-se “apenas uma fotografia na parede” - parafraseando o poeta Carlos Drummond. “Mas como dói.”