Cansada de passar dias e dias olhando para as paredes surradas do pequeno apartamento, resolveu colocar em prática um plano antigo. Pesquisou as opções, fez todas as contas e decidiu que era melhor fechar o imóvel e passar uma temporada numa casinha no campo. Nada de praia como fizeram alguns dos seus amigos.
E ao contrário deles, nunca teve este sonho de viver à beira-mar. Já ouviu relatos de pessoas que largaram a cidade e foram morar em vilas de pescadores. A maioria voltou. Outros, com um pouco mais de grana (bastante, verdade) continuaram com seus apartamentos e casas com vista para o oceano azul.
Mas sempre pensou que o mar é artigo para poucos. É preciso ser um nativo ou um aficionado por águas salgadas e profundas. Sem contar o detalhe fundamental: nunca aprendeu a nadar. Um vexame, mas fazer o quê? Já deu muito vexame na praia, levando tombos risíveis e saindo da água com o biquíni fora do lugar.
Portanto, nada de praia. A montanha seria o lugar perfeito para quem gosta de um cenário idílico e sossegado. Com a ajuda de amigos conseguiu um verdadeiro achado, e a poucos quilômetros da cidade. A “casinha”, como passou a chamar tinha inúmeras vantagens. Segura, limpa, a natureza em volta e, luxo dos luxos, uma piscina.
Finalmente, teria água - elemento fundamental dos aquarianos – ao seu alcance. Longos banhos de piscina, rodeada por árvores e passarinhos a esperavam na nova morada. Para tornar mais aconchegante a “casinha”, abriu mão de vários projetos e foi para a internet buscar itens de decoração. O mínimo, claro. Apenas para dar seu “toque” pessoal.
Também dispensou a tecnologia e ficou apenas com o telefone celular, para comunicações eventuais. Nada de noticiário, redes sociais, nada para poluir a mente. O objetivo da temporada era limpar a mente, aprender a viver com simplicidade, fazer um mergulho na sua existência.
Já se via até escrevendo um livro, lendo vários, fazendo exercícios que nunca gostou de fazer, praticando ioga, plantando e colhendo verduras e legumes orgânicos. Enfim, faria tudo que sempre foi adiado a vida inteira.
O primeiro final de semana foi só alegria. Descobriu vizinhos atenciosos que deram ótimas dicas. Um deles até levou ovos caipira de presente e outro prometeu ensinar o adubo correto para as verduras. Em dois dias limpou o jardim, a casa, organizou os dois únicos armários, tentando fazer do lugar um refúgio. Ficou tão empolgada que convidou várias amigas para visita-la. Mandou fotos e vídeos do local para entusiasmá-las.
Na segunda-feira descobriu que todos os moradores haviam desaparecido. Soube depois que o local só tinha habitantes nos finais de semana, ou nas férias. Não saiu mais da casa. Passou a ter medo de tudo. Sentiu-se exposta pelos vidros da sala e cobriu-os com panos. O barulho dos bichos, do vento, de tudo em volta era sinistro.
E havia as moscas. Terríveis, impiedosas e barulhentas. Experimentou receitas caseiras, usou todos os truques e até spray genocida, mas elas continuam indo e vindo. Descobriu que era alérgica a picadas de insetos ao ver o sangue no lençol, causado pela coceira ininterrupta. Braços e pernas ficavam inchados e feridos.
Arriscou-se a entrar na piscina – gelada - para se refrescar, mas a grama em volta lhe deixou insegura. Já tinha escutado o coaxar dos sapos durante a noite e receava descobrir algum desses animais que rastejam. O pavor é tamanho que ela preferia nem dizer o nome. Suas mensagens perderam o entusiasmo e passaram a ser pedidos de socorro. O terapeuta recebeu várias.
Depois de um mês começou a sentir falta do barulho dos carros, das buzinas, dos entregadores de comida, da faxineira do prédio, do supermercado, do velho apartamento, dos filmes na TV e até da máquina de lavar roupas.
No último WhatsApp que recebi ela escreveu: “Quero ir embora, pelo amor de Deus! ”, e a uma foto de um lagarto enorme que, segundo ela, ficou de plantão na sua porta a tarde toda impedindo sua saída. Pelo visto a natureza também não é a sua praia e, sinceramente, desconfio que a temporada no paraíso está com os dias contados. Só por milagre!