Em uma semana foram três. O primeiro da mais alta hierarquia e os outros dois, bons e generosos ouvintes, da mesma casta. Vai longe o tempo que nos separava era uma treliça. Época em que, obrigatoriamente, toda semana nos ajoelhávamos para confessar pecados. Pecados de menina pequena, com véu na cabeça que não tinha muito o que falar. Peguei o doce que minha avó guardou, falei mal da coleguinha da classe, algumas vezes arriscava mais um pouco e reclamava da falta do pai e do desamparo que doía no peito sem parar. Os pecados eram leves e o padre, na verdade um monsenhor, me absolvia mediante orações, terços e pedidos de desculpas.
Mas tarde, e na falta de um profissional da área, fiz padre Valdemar de terapeuta. E de tão íntima passei a frequentar, quase diariamente, sua pequena sala na sacristia. Ele, paciente e bondoso, ouvia tudo, dava conselhos, indicava caminhos. Às vezes duros. E tão difíceis que, não raro, eu sucumbia. Um dia, talvez se sentindo impotente diante de tanto desalento, aconselhou deixar meu coração mais quieto, evitar emoções e apegos. Tudo isto, diria ele, me faziam sofrer. Levei ao pé da letra e tranquei o coração com chave e tudo.
O conselho, por sinal, causou mal-estar tremendo com o primeiro namorado. Onde já se viu não se apegar a ninguém! Como que eu fico nesta história? O padre mudou de cidade e eu fiquei sem chave e sem conselhos. O coração, mesmo avisado, trincou um pouquinho. O namorado também foi embora. Não me restou outra coisa que não fosse a pela ausência da figura masculina. Minha culpa, máxima culpa. Forever and ever.
Mais tarde, com meus trocados no bolso, troquei o confessionário pelo divã. Foi lá que durante anos a fio despejei meu desassossego. Em vão foram as trocas de poltrona, cadeira, sofá, ao longo do tempo. As buscas tornam-se cada vez mais intensivas, os métodos mais sofisticados. Mas o vazio continuava lá, impávido colosso. Um dia resolvi ceder, entregar os pontos, me redimir. Coisa que, convenhamos, é fácil falar. Colocar em prática é que são elas. Como na série This is us (Fox) – que recomendo – muitas vezes, demoramos quase uma vida inteira para reconhecer o óbvio. Afinal, quanto maior a dor, maior é a negação.
E lá no fundo vem a frase, ouvida há décadas, numa terapia: “Entrega a rapadura, menina”. Entrega, não resista, deixa fluir. Quando a gente segura, a dor é maior. Sem mais o que fazer, entrego os pontos. Entrego tudo que acumulei e faço um grande pacote. Aliás, três. E distribuo em partes iguais. Como na música na infância: “Terezinha de Jesus, de uma queda foi ao chão, acudiu três cavaleiros, todos três chapéus na mão...”. Porque, vamos combinar, se tem uma coisa que aprendi, depois de um longo e árduo caminho, é que às vezes as coisas mais simples podem ser eficientes. E que assim seja, porque ainda tem chão.