Desde o início da pandemia do novo coronavírus, a palavra autocuidado tem surgido com frequência em reportagens, publicações na internet e até em pesquisas do Google, que categorizou o termo como “em ascensão” em 2020.
A palavra, que está intimamente relacionada à autoestima, pode ser usada como premissa para aplicar uma rotina de skincare – cuidados com a pele – ou simplesmente aprender a dizer não para situações incômodas do cotidiano, na vida pessoal ou profissional.
Segundo a psicóloga Gabriela Silva Molento, cofundadora do Espaço Junguiano de Mato Grosso do Sul, o autocuidado pode surgir em primeiro lugar no autoconhecimento.
“Se autoconhecer é uma forma de autocuidado, pois significa aprender a se relacionar consigo mesmo, com as nossas emoções e sentimentos. Em geral, nós não sabemos nos relacionar intimamente com a gente mesmo, pois nossa cultura não nos ensina como fazer isso, e isso acaba refletindo na forma que nos relacionamos com as pessoas, objetos e situações que estão fora de nós. Antes de cuidar do outro, é preciso saber cuidar de si, não somente no sentido físico, mas também no sentido emocional”, acredita.
Para Gabriela, as relações humanas são mais complexas atualmente pela falta de cuidado de todos nós com a vida emocional.
“Como vamos acolher outra pessoa que está com mal-estar se não soubermos acolher a nós mesmos? Estamos em uma cultura que valoriza a aparência e a superficialidade, e o cuidado fica muito deixado de fora”, frisa.
Aprender a ouvir
O segredo para tentar promover um autocuidado em todos os aspectos da vida é ouvir os próprios anseios e até mesmo aprender a dizer não para algumas situações.
“É o desejo que nos direciona para o nosso verdadeiro lugar. Se eu não estou em um lugar direcionado por um desejo legítimo, como eu vou fazer bem feito um determinado trabalho, por exemplo? Se eu não estou conectado o suficiente de forma amorosa, estou fazendo aquilo porque eu tenho que fazer ou porque preciso ganhar dinheiro, que é onde sempre caímos, normalmente”, questiona a psicóloga.
Conexão
A conexão com o outro e até mesmo no âmbito da nossa vida profissional deve ser o mais amorosa possível, de acordo com Gabriela.
“A gente acaba entrando em um movimento de contrariedade com a gente mesmo quando não seguimos os nossos verdadeiros desejos e anseios, não seguimos realmente aquilo que estamos sentindo. Com o tempo acabamos desenvolvendo um desamparo interno muito grande e então vem as emoções. As emoções vêm para comunicar algo para nós mesmos, mas nem sempre sabemos como lidar com isso, não é ensinado a cuidar das emoções, o que pode gerar um efeito dominó em vários aspectos da vida”, destaca.
Ignorar os próprios sentimentos e anseios pode resultar em problemas mais sérios, como ansiedade, estresse e até mesmo depressão.
“Como eu não sei olhar para mim, não sei olhar para aquilo que eu estou sentindo, acabo ignorando o que estou passando de verdade. Nesse ponto eu estou descuidando de mim mesma, ou seja, da minha saúde mental e física. Esse processo de descuido vai acabar se manifestando em outros aspectos, como em crises de ansiedade, compulsões, rompantes, que são quando as pessoas entram em rompantes de explosão, por exemplo. Tudo começa a se deteriorar ao nosso redor”, explica.
Para Gabriela, o mais preocupante atualmente é o olhar de naturalidade para esses problemas emocionais, inclusive com a abordagem de que apenas os medicamentos seriam capazes de resolver as questões.
“As pessoas analisam essas problemáticas, mas ficam apenas na superfície, não observam o que está por trás dessa ansiedade e do estresse. Tudo tem um motivo para acontecer. O medicamento é importante, mas não pode ser usado como uma muleta; o acompanhamento psicológico também é essencial, auxilia na descoberta do que está provocando esses sentimentos”, pontua.
Mudança
O importante é enfrentar o medo de mudar de vida.
“Nós temos muito medo de mudanças, mesmo as que sejam boas, pois de qualquer forma vamos sentir como se fosse uma perda, vamos ser obrigados a sair das nossas zonas de conforto, e isso nos obriga a nos responsabilizarmos mais pelas nossas escolhas”, ressalta Gabriela.
Para mudar e começar a olhar mais para si, a psicóloga indica a psicoterapia. Outros pequenos atos também são válidos, como a rotina de autocuidado com a pele, a adoção de uma alimentação saudável, a prática de atividades físicas, a meditação e até mesmo um tempo exclusivo para a leitura.
“Começa nas pequenas ações. O que a gente precisa pensar é que aquela pequena ação que eu faço lá fora também pode ser uma pequena ação dentro de si. Tudo está conectado”, pontua.
Cinco dicas de autocuidado
1. Aprenda a ouvir seus sentimentos, desejos e ambições
Nem sempre estamos no caminho que gostaríamos, e é importante observar nossos desejos e buscar compreender nossas emoções e sentimentos.
2. Escolha uma atividade que te dá prazer
Seja uma rotina de beleza, ler um livro, meditar, praticar atividade física ou até mesmo ficar algumas horas sem fazer nada. O importante é descobrir o que pode aliviar o estresse do cotidiano e te proporcionar algumas horas de prazer e tranquilidade.
3. Aprenda a dizer não
Nem sempre estamos preparados para negar uma oportunidade ou mesmo uma ajuda a alguém, mas se isso for mais do que você pode oferecer no momento, aprenda a recusar com responsabilidade e carinho.
4. Coloque-se em primeiro lugar
Esse é um complemento da primeira e da terceira dica. O autoconhecimento pode ajudar nesse processo de valorizar seus sentimentos e necessidades. A psicoterapia pode ser uma ferramenta para esse processo.
5. Não se compare
As redes sociais estão cheias de exemplos de pessoas bem-sucedidas e com realidades que nem sempre são possíveis de alcançar. Não se compare àquela mãe exemplar ou à influencer glamourosa. As fotos e vídeos nem sempre são exemplos da realidade.