Por Denise Neves – Colaboradora exclusiva B+ RJ
Edição Flávia Viana
Mais do que uma ressignificação da palavra, Negra Li é a representatividade da força da mulher negra.
Cantora, compositora e atriz, ela é uma das maiores vozes do nosso país.
Nascida na Vila Brasilândia, periferia de São Paulo (SP), a artista se consagra pelo seu talento que conquistou respeito e admiração em espaços cercados pela figura masculina e de pele branca, como na música e na televisão.
Aos 16 anos de idade, a artista descobriu o seu amor pela música fazendo parte de um grupo entre amigos que realizavam apresentações juntos.
Em uma dessas apresentações, a cantora conheceu o grupo de rap RZO do qual foi integrante oficial e conquistou ainda mais notoriedade no cenário do rap nacional.
Foi graças a esse feito que a música brasileira foi contemplada com o sucesso de “Não É Sério”, parceria da cantora com o lendário e saudoso Charlie Brown Jr.
Já em carreira solo, Negra Li foi a primeira rapper brasileira a assinar com uma gravadora multinacional, na época a Universal Music.
“Quando eu comecei a cantar rap, que eu comecei nos shows com o RZO, eu já via muitas mulheres fazendo rap.
Não eram poucas, mas com pouquíssima visibilidade... Mas eu lembro de ver grupos, de ver grafiteiras, de ver grupos de dança break, de ver DJs, de ver garotas solo.
Então hoje eu vejo muitas com visibilidade e isso é muito legal”, relembra a artista.
Durante toda a sua carreira na música, a cantora se reinventa, seja no rap, hip hop, soul, R&B, ou até mesmo no pagode, como no seu último lançamento “Eu Preciso Ir”, em parceria com Ferrugem.
A música fala sobre uma nova fase na vida de Negra Li, que acontece após o término de seu casamento.
Segundo a cantora, o single conta sobre um processo seu de transformação e renascimento, que terá a sua história continuada em uma próxima canção com lançamento previsto para este ano.
“A próxima música volta para o início, falando de mim, de quem eu sou, apresentando a Liliane”, conta.
Não só na música, mas também na TV, Negra Li constrói o seu legado sobre a representatividade.
A inesquecível Preta, uma das personagens protagonistas da série “Antônia” que o diga. De lá para cá, a artista atuou em diversos trabalhos na televisão e no cinema.
A atriz tem novos projetos previstos para esse ano, além do lançamento do seu novo álbum — o seu último disco “Raízes” foi lançado em 2008.
Dona de si e de uma carreira de sucesso, Negra Li é mãe de dois filhos, Sofia de 11 anos e Noah de 3.
Nas horas de lazer, a cantora gosta de dançar, praticar exercícios físicos, viajar, além de assistir filmes e séries. No trabalho, Negra Li canta, atua, compõe e se entrega em todas as outras coisas que se propõe a fazer.
Esses e outros detalhes foram contados com exclusividade pela própria artista ao Caderno B+ dessa semana.
Durante a entrevista, Negra Li relembrou fases marcantes da sua carreira, contou sobre a sua vida pessoal e falou sobre a sua representatividade na cultura e na arte, sobretudo para as mulheres pretas.
Leia a entrevista completa na íntegra:
CE: Como é a sua rotina?
NG: “É sem rotina (risos). Na verdade, o que não tem no meu trabalho é rotina. Cada hora é um tipo de trabalho, é um tipo de lugar, é um tipo de horário que eu costumo acordar, porque eu tenho que às vezes estar no estúdio certo horário, em um programa de televisão, numa viagem. Então já me adaptei, são 24 anos de carreira e muitos anos de uma vida completamente sem rotina. Mas já estou super adaptada a isso, inclusive os meus filhos também.”
CE: Quando a Liliane se descobriu “Negra Li”?
NG: “Me descobri Negra Li em meados de 1996/97, quando eu fazia parte do RZO. E a escolha do nome foi ali, com um dos integrantes que deu a ideia, porque vem de Liliane. Quando ele falou, soou muito agradável para mim. Na mesma hora me tornei a Negra Li. Negra Li é uma autoafirmação, uma ressignificação da palavra negra. E fui fazendo shows, vendo o rosto das pessoas, meninas chorando ao me ver depois do show, me pedindo autógrafo, me abraçando. Foi ali que eu percebi que eu já era uma referência, que já era uma pessoa querida e tida como uma referência dentre as mulheres pretas da periferia.”
CE: As mulheres têm conquistado cada vez mais espaço no rap nacional... Como você avalia esse momento?
NG: “Eu acho que as mulheres têm conquistado cada vez mais visibilidade. Hoje eu vejo que as rappers de hoje são independentes, elas entenderam que ninguém as daria espaço e elas teriam que tomar. Elas teriam que fazer seus próprios trabalhos, serem suas próprias empresárias, suas próprias produtoras, aprender a produzir, aprender a mexer no computador... O avanço da tecnologia também facilitou bastante para que as pessoas pudessem fazer o seu próprio trabalho e colocar na internet para ter mais visibilidade. Então eu acho incrível a forma com que elas lidam com a liberdade, da forma de se vestir, ou de falar, o que falar, como se expressar. Isso evoluiu bastante. É gostoso de ver e de ter feito parte de um momento que era diferente e acompanhar isso e evoluir junto também.”
CE: O ano era 2005 quando você foi a primeira rapper brasileira a assinar com uma gravadora multinacional. Hoje, 17 anos depois, como você enxerga o tamanho dessa sua representatividade?
NG: “Eu enxergo de uma forma natural, como uma evolução esperada. Eu sabia que aquele espaço onde eu me sentia sozinha, onde eu não via outras mulheres, um dia seria preenchido. Não fazia ideia de como seria, e me surpreendi ao ver tantas mulheres dessa forma, tão donas de si, tão independentes, donas e proprietárias do seu próprio negócio e da sua própria imagem. Isso é muito legal, e eu acho muito bacana ter sido precursora de algo. A única coisa que eu penso na minha cabeça em relação a isso é nunca parar. É sempre fazer parte do que está acontecendo no momento. Sempre me atualizar, sempre andar conforme o jogo, dançar conforme a música. Isso que é desafiador para mim. Não quero ficar em 2005, eu quero avançar. Eu quero andar junto com quem está chegando agora. Então esse é meu maior desafio, e eu acho que eu venho cumprindo-o muito bem. Me sinto orgulhosa e aliviada por estar diferente hoje.”
CE: Quais são os próximos passos da sua carreira na música?
NG: “Alguns lançamentos durante o ano e no final do ano, por volta de setembro e outubro, lançarei um disco novo. Lancei meu último em 2018, então acho que está na hora de lançar mais um trabalho. No ano passado tiveram dois lançamentos que foram ótimos, as músicas ‘Comando’ e ‘Eu Preciso Ir’. Agora estou preparando um show maravilhoso, uma turnê incrível, e espero poder cantar muito ainda esse disco, as músicas novas que eu lancei, e todas as outras que fizeram parte dessa minha carreira.”
CE: Há algum projeto em vista para a Negra Li na televisão?
NG: “Sim, mas no momento não posso falar.”
CE: O seu último álbum foi lançado em 2018... De lá para cá, você fez alguns trabalhos na música, mas nenhum que fosse um CD de fato com diversas músicas suas. A que se deve essa “pausa” na sua carreira?
NG: “Eu não chamo bem de ‘pausa’, porque eu tive alguns lançamentos. Desde que eu lancei o disco em 2018, o ‘Raízes’, que infelizmente tive pouquíssimas oportunidades de levar para a rua. Eu estava pensando em lançar um disco ano passado, mas com a pandemia, tivemos que adiar. É muito frustrante fazer uma música e não conseguir levar ela para o público. Eu sei que existem as plataformas de streaming, mas é muito mais gostoso estar no palco. Porém, acredito que a mudança do lançamento do ano passado para esse ano acabou sendo melhor, pois assim pudemos buscar ainda mais canções para contar a minha história da forma mais bonita e especial para os meus fãs que tanto aguardam. Eu estou super ansiosa e muito feliz.”
CE: Se você pudesse escolher algum artista para fazer uma colaboração na música, quem seria?
NG: “Tem tanta gente que eu admiro como a Vanessa da Mata, a própria Pitty que eu já cantei, a Marina Sena, o Xamã, o Vitão, a Elza Soares maravilhosa, a Marisa Monte que eu amo, o Seu Jorge com quem já cantei junto, mas faria outras parcerias novamente. Enfim, são muitos artistas. Nossa música e nossos artistas são maravilhosos. Adoro uma colaboração. Adoro ser convidada e também estou amando chamar as pessoas para o meu novo álbum. Posso dar um spoiler? Tem MC Dricka e Bivolt em uma faixa desse novo disco.”
CE: Como surgiu a ideia de lançar “Eu Preciso Ir”?
NG: “A ideia de lançar ‘Eu Preciso Ir’ foi devido ao nosso ajuntamento em um camping, quando decidimos que eu precisaria fazer um novo álbum e então pensamos em ir lançando singles para saber como o público receberia. A faixa ‘Comando’ já veio empoderada, mostrando o lugar que eu me enxergava no futuro. Então a próxima música tinha que ser algo que falasse sobre mim, sobre uma virada de página na minha vida, que foi a minha separação. Logo, não tinha como não começar com ela. Antes que eu começasse a contar minha história, eu precisava falar desse meu renascimento, dessa minha transformação em uma nova mulher e em uma nova pessoa. Assim surgiu a ideia de lançar ‘Eu preciso ir’. Inclusive, um spoiler: a próxima música volta para o início, falando de mim, de quem eu sou, apresentando a Liliane. Chega! Não posso falar mais. (risos)”
CE: O BBB começou nesta semana e no Brasil não se fala em outra coisa, principalmente sobre os famosos que entraram no reality... Você participaria do BBB?
NG: “Eu não participaria do BBB por muitos motivos. Mas o maior deles é o tempo longe dos meus filhos.”
CE: O que a arte representa na sua vida?
NG: “A arte representa tudo na minha vida porque eu vivo dela. Ela traz o meu sustento, mas mesmo se eu não vivesse de arte, a arte representa para mim uma forma de me comunicar comigo mesma e com as pessoas. É uma forma de expressar minhas emoções, de botar para fora, de me curar, curar as pessoas. Quando ouço uma música, ela me faz ir para lugares diferentes. Quando eu vejo um quadro, uma pintura, ela me leva para outras dimensões, e me leva para um outro lugar. A arte tem uma capacidade enorme de transformar. Eu adoro essa coisa, principalmente eu que sou multifacetada, adoro atuar, adoro dançar, adoro ler e adoro escrever. Então eu acho que tudo isso é uma forma de a gente se expressar, de botar para fora, de se curar, de amar, de olhar para dentro, olhar para fora. É tudo, a arte é tudo.”
CE: O que a Negra Li de hoje diria para a Negra Li de 10 anos atrás?
NG: “Eu diria: ‘Vai dar tudo certo. Não vai ser tão fácil, mas você vai aprender muito com as dificuldades, com os desafios... E você vai se tornar uma artista respeitada. Você vai transformar a vida das pessoas. Você vai errar, mas você vai aprender com seus erros, você vai ter resiliência. Você vai ser uma artista foda!”
CE: A série "Antônia" foi um marco na televisão brasileira, sendo até mesmo indicada ao Emmy na categoria de Melhor Filme para TV ou Minissérie. Como foi a experiência de interpretar a Preta, uma das protagonistas do seriado?
NG: “Foi uma experiência incrível poder dar vida a uma personagem preta. Era praticamente uma biografia minha ali, filmando na Vila Brasilândia, minha mãe que era evangélica, o pai músico... O mais incrível foi a representatividade da Antônia. Até hoje eu recebo mensagens de pessoas dizendo o quanto foi importante o ‘Antônia’, principalmente por serem quatro mulheres pretas protagonizando uma série na TV Globo, e também pela mensagem de superação, e que as personagens viviam, passavam e também o fato de ser na periferia de São Paulo que era uma coisa nova na época. A gente via muitos morros do Rio de Janeiro, mas se via pouco da periferia de São Paulo. E principalmente por levar o rap, mulheres cantando mostrando a dificuldade etc.”
CE: No ano passado, você deu a sua voz à música "Não Joga Fora No Lixo", ação publicitária que fala sobre a importância da sustentabilidade e o consumo consciente. Qual a sua relação com as pautas socioambientais? Você apoia algum projeto?
NG: “Minha relação é sempre de me preocupar mesmo. Eu separo o lixo na minha casa, tento fazer bom uso da água e da energia e me tornei vegetariana há algum tempo. Minha filha é vegetariana, já vai fazer quase um ano. Inclusive, no filme Antônia a minha personagem era vegetariana. Tem uma cena que elas param no carrinho de hot dog e ela pede o dela sem salsicha. Eu que sugeri para a diretora que a personagem fosse vegetariana, porque eu tinha essa vontade de não comer carne há um bom tempo. Então sim, eu adoro todas as causas, sigo tudo quanto perfis veganos, perfis que delatam exploração animal, e estou sempre de olho sempre em busca de ajudar da melhor forma.”
CE: Você tem o lançamento de um novo single previsto para o início desse ano. Pode contar um pouco sobre? Será um pagode como "Eu Preciso Ir" ou terá um outro viés musical? Contará com a parceria de um outro artista?
NG: “Não será um pagode. Será diferente dos meus dois lançamentos do ano passado. Também não terá participação especial. Isso é o que eu posso adiantar no momento, não vou dar spoiler (risos). Mas aguardem que será incrível. Vocês não perdem por esperar.”
CE: Tem algum projeto profissional que você nunca fez, mas gostaria de experimentar?
NG: “Interessante essa pergunta... Quem sabe apresentar um programa de televisão? Seria incrível!”