"Minha personagem, a Petúnia, é movida pela paixão. E no fim da história, ela vira uma outra pessoa".
Celebrando 20 anos de carreira, Larissa Góes está no elenco de “Guerreiros do Sol”, novela inédita que estreou dia 11 de junho na Globoplay e na Globoplay Novelas (antigo canal Viva). Na trama, a atriz dá vida a Petunia, uma moça romântica que tem sua vida atravessada pelo cangaço quando se apaixona perdidamente por um cangaceiro de nome Sabiá. Já no dia 12 do mesmo mês, ela subiu ao palco do Teatro Carlos Gomes no Rio, com o musical “Território do Amor”, onde interpreta Dolores Duran.
Em processo de gravação e de sua participação na 3a temporada de “Os Outros”, também da Globoplay, Larissa atua no espetáculo “Medalha de Ouro”, que investiga experiências cotidianas do ofício de ser atriz, inspirado na trajetória de algumas atrizes cearenses vivas.
Ela ainda aguarda o lançamento do filme de animação “Glória e Liberdade”, onde dá voz à protagonista Azul, e da série “Alucinação” para o Canal Brasil e Globoplay, sobre a vida do cantor Belchior. No projeto ela interpreta Téti Rogério, cantora cearense que participou do grupo musical “Pessoal do Ceará”.
Atualmente com 30 anos de idade, a atriz ganhou projeção nacional em 2016 ao estrelar a primeira fase da novela “Velho Chico” na TV Globo. Em 2023, a cearense protagonizou a 3ª temporada de “Cine Holliúdy”, também na emissora, na pele de uma cantora e dançarina de forró Rosalinda. Em seu currículo ainda constam as séries “Meninas de Benfica”, na Globoplay, e “O Cangaceiro do Futuro”, da Netflix.
No teatro, Larissa esteve em espetáculos como: “Ceará Show”, de Silvio Guindane, “Barracal” e “Zabumba”, de Andréia Pires. No cinema, fez longas como “Quando eu me encontrar”, “Fortaleza Hotel” e o elogiado “Cabeça de Nêgo”.
Em paralelo à carreira artística, Góes faz um trabalho de pesquisa de acessibilidade com a Língua Brasileira de Sinais. Ela é formada em licenciatura (Teatro), e busca em seus trabalhos espaços para se mostrar a necessidade de integração social.
Além de já ter dado aula de artes cênicas para pessoas surdas no Ceará, ela organizou em 2020 uma oficina gratuita para deficientes auditivos online que contou com participantes de todo o país.
Larissa é Capa exclusiva do Correio B+ desta semana, e em entrevista ao Caderno ela fala sobre carreira, desejos, teatro e estreias.
A atriz Larissa Góes é a Capa exclusiva do Correio B+ desta semana - Foto: Fabio Audi - Diagramação: Denis Felipe. Por Flávia VianaCE - Larissa, você está em "Guerreiros do Sol", como Petúnia. Fale da personagem e de como se preparou para esse trabalho?
LG - A Petúnia chegou pra mim de supetão. Já havia outra atriz na escalação que estava em andamento nas gravações. Eu estava no Rio promovendo Cine Holliúdy no período, mas já encerrando minhas atividades por aqui.
Até que, em uma ligação onde eu conversava com minha mãe exatamente sobre minha data de retorno a Fortaleza (eu morava lá no período), eu recebo outra chamada, a de Márcia Andrade, produtora de elenco da novela Guerreiros do Sol.
Quando atendi, a frase que eu ouvi foi: Está preparada pra começar a gravar depois de amanhã? Eu fiquei sem reação, não estava entendendo direito, até que ela disse que a atriz que fazia a Petúnia descobriu que estava grávida e precisaria sair do projeto, a produção precisava fazer uma substituição repentina e me ligaram.
Eu fiquei em êxtase! Esta era uma proposta irrecusável, mas estava ciente de que seria uma grande missão assumir uma personagem do núcleo principal, com uma narrativa tão densa em pouquíssimo tempo. A partir daí os dias foram bem intensos. Virei noite pra ler os 45 capítulos em tempo recorde, assisti a filmes sobre o cangaço, conversei com amigos que dominam bem a temática.
A preparadora de elenco Andréa Cavalcanti teve grande importância no processo, conversamos bastante antes e durante as filmagens. Fui muito bem acolhida pelo elenco e pela equipe, além de me dispor a abrir escuta pra cenas, pra relações que aconteciam no estado de presença dentro e fora de cena.
Foi um baita desafio, mas a Petúnia é resultado de um caminho que se construiu a cada passo, a cada dia, a cada dúvida, com falhas, com vulnerabilidades e com muita entrega.
CE - Petúnia, inclusive, acaba se envolvendo com um cangaceiro e, por isso, entra para o bando. Como é fazer uma personagem que passa por essa curva de emoções do romance à violência do cangaço? E Larissa, também largaria tudo por amor?
LG - É muito empolgante ler um roteiro onde sua personagem tem uma curva dramática tão desafiadora. Acredito que a vida não tem uma linha contínua, linear, ou, pelo menos eu, não gostaria de viver estas circunstâncias tão engessadas.
Sair de uma vida rotineira e inteiramente projetada pelos seus familiares e entrar num universo de completa incerteza foi um belo ato de coragem. A Petúnia é pura emoção e eu só me deixei embarcar, sem grandes determinações e acolhendo as contrariedades.
O amor pra mim não é um ponto de chegada, mas sim um caminho, um processo. Não acredito em sentimentos isolados, mas na mistura de tudo o que se sente com suas variadas dosagens, o que nos faz tomar ou não atitudes tão radicais.
A Petúnia se assusta com a nova realidade, mas a encara e decide permanecer não só pelo seu amor, mas pela inquietude que toma conta dela enquanto se está inserida no antigo contexto familiar e por ideais políticos com os quais ela entra em contato e se identifica.
Quanto a mim, gosto muito de me entregar ao sentimento amoroso, mas acho que nutrir o amor por mim mesma, valorizar minha própria companhia e dar a devida importância aos amores que estão fora da margem romântica é a chave principal que me faz identificar e respeitar os meus limites e ter a autonomia necessária para soltar as relações que exigem tanta anulação de mim mesma ou que não retribuem os esforços.
CE - Você é uma atriz cearense que vem ganhando cada vez mais espaço no mercado. Como você observa essa crescente de oportunidades para atores e para a visibilidade de histórias nordestinos na teledramaturgia brasileira?
LG - As dramaturgias ambientadas no Nordeste são há muito tempo criadas, veiculadas através da literatura, do teatro, do audiovisual e costumam ter grande repercussão. O que se questiona nestas obras é a legitimidade de quem conta a estória, do quanto se tem de Nordeste de fato na base do projeto.
Quando isso é levado em conta, a obra ganha uma outra dimensão e fico feliz de compor o elenco de uma novela do porte de “Guerreiros do Sol”, com parte dos autores nordestinos, maior parte do elenco composta por nordestinos, não apenas no adorno, mas em posições elementares.
Vejo isso de forma muito positiva e esperançosa, e, a partir desta ideia, deste espaço de conquista, ainda que inicial, quero também ocupar novas posições, traçar perfis de personagens que saem do eixo nordestino. Este é um dos meus intuitos profissionais.
CE - Além da novela do Globoplay, você está estreando no Rio a peça “Território do amor”, em que vive Dolores Duran. Como é dar vida à essa artista nos palcos? É mais fácil interpretar alguém que, de fato, já existiu?
LG - Dolores Duran é uma das artistas precursoras no ramo da composição musical feminina brasileira e tem obras regravadas por grandes intérpretes como Maria Bethânia, Tom Zé, Elis Regina, Milton Nascimento…
Dar vida a esta grande artista no espetáculo é certamente mais desafiador não só por ela ser quem foi, mas também por não nos ter deixado tantos registros de suas performances nos palcos, ou fora deles, o que, inicialmente foi bastante limitante pois não tive tanta referência imagética de Dolores, mas dentro do meu processo de pesquisa tive acesso a documentários, histórias contadas por amigos e familiares que se somaram às suas próprias obras musicais e me ajudaram a encontrar a corporeidade que disponho nas cenas.
Então para compor a Dolores eu trabalho com duas perspectivas: a que ela de fato já existiu e seu legado repercute ainda hoje; e com a que não há uma forma pronta, uma receita certa, mas sim uma linda somatória quase que artesanal de como a Dolores vibra nas pessoas.
CE - Aliás, você também é cantora e já interpretou uma em “Cine Holliúdy”. Como é poder unir a atuação e a música em seus trabalhos? Pensa em lançar EP, fazer shows…?
LG - Eu amo encontrar maneiras de confundir a definição da linguagem artística. A Rosalinda foi minha primeira personagem no audiovisual que mistura dança, música e atuação, o que me diverte e me estimula porque eu vejo ampliadas as possibilidades criativas.
Já pensei e dispensei algumas ideias de projetos musicais, talvez por direcionar bem minha energia para a atuação, o que exige bastante de mim, ainda não tenho tido disposição para encabeçar novos projetos na área musical. Mas não descarto e simpatizo bastante com a ideia e já até tenho em mente as parcerias que gostaria de fazer, mas seria muito pretensioso mencioná-las agora (rsrs).
CE - Você ainda está gravando participação na terceira temporada da série “Os outros”, do Globoplay. Como é entrar para o elenco de um projeto já aclamado pela crítica e pelo público?
LG - "Os Outros” é uma das obras brasileiras que mais me interessam e fiquei bastante lisonjeada em ter sido convidada a participar.
A série carrega suspense, ação, romance, mistério e outras estranhezas que se estabelecem nas relações humanas e é produzida com uma equipe de diretores e roteiristas muito bem orquestrada que conduz as filmagens com bastante cuidado e sensibilidade. Minha participação é pontual e tem sido uma experiência bem feliz estar ao lado de tanta gente que acompanho e admiro.
A atriz Larissa Góes é a Capa exclusiva do Correio B+ desta semana - Foto: Fabio Audi - Diagramação: Denis Felipe. Por Flávia VianaCE -Você está completando 20 anos de carreira com apenas 30 de idade. Que balanço faz dessa trajetória? Já se considera veterana? O que pensa para os próximos 20 anos?
LG - Acho que estou tão longe de me considerar veterana (risos), talvez porque isso não faz parte da minha busca. Eu sei que a experiência me dá repertório, o que me familiariza com os espaços e abre possibilidades de caminhos, mas a atuação pra mim é um exercício constante e não estar “pronta” é o ponto de partida que me faz pulsar, dispara minha curiosidade e expõe minhas vulnerabilidades, o que me torna uma atriz viva.
É até engraçado pensar no momento em que comecei no teatro. Sou muito grata por não ter sofrido pressão da parte dos meus pais por um bom desempenho nesta atividade.
Eu só me divertia, identificando e atendendo às responsabilidades práticas que o teatro exige por si só, como ir aos ensaios, estudar os textos, cuidar do material de cena, mas não havia pretensão (pelo menos durante minha infância) de carregar aquilo com a seriedade de uma projeção profissional.
Aquela despretensão me conduziu por muitos anos ao longo da minha formação artística, o que de certo modo acabou se integrando à minha formação como um todo e hoje não consigo dissociar a Larissa do ambiente profissional da Larissa que está fora dele. E vejo isso de forma positiva, já que a arte me desperta escuta, sensibilidade e posicionamento crítico.
CE - Além de atuar, você já deu aulas de teatro para pessoas surdas. Como surgiu seu interesse pelo assunto? E como foi para a cidadã e para a artista Larissa Góes levar a arte em uma língua diferente da sua?
LG - Por volta de 2014, há mais de dez anos, dois amigos intérpretes que conheci no teatro me indicaram para diferentes espaços educacionais para que eu desse aulas de teatro. LIBRAS é uma língua da qual eu tinha zero conhecimento e tive que correr atrás para aprender e estruturar as minhas aulas a partir dela.
No momento em que eu decidi topar, só achava que seria legal aprender a me comunicar em LIBRAS e queria me exercitar enquanto professora, além de precisar de uma grana extra. Mas trabalhar em escolas de pessoas surdas me fez perceber que a acessibilidade precisa ser a regra básica, é apenas o ponto de partida de discussões das quais estamos ainda muito aquém enquanto sociedade.
E o meu trabalho com pessoas surdas ainda não atende qualquer tipo de reparação, mas permanece sendo uma inquietude minha desenvolver obras mais integrativas.
CE - Você se assiste? É muito autocrítica com seu trabalho?
LG - Sempre que possível me assisto. Quanto a autocrítica… tenho momentos e momentos. Costumo ser generosa comigo mesma, procurando aceitar o que eu podia oferecer no respectivo momento e reconhecendo o esforço que investi no processo, às vezes sendo ele maior, outras vezes não tanto, já que trabalhar com emoções requer a disponibilidade de espaços íntimos e subjetivos que nem sempre estão protegidos e que são atravessados constantemente pelo meio externo. Mas há situações em que fica difícil aceitar essas elaborações mais consoladoras e me entrego à frustração.
CE - E já temos mais projetos a caminho?
LG - Bem, acredito que este ano tem sido um ano de colheita e muitos dos projetos que fiz estão em período de lançamento e tenho aproveitado este primeiro semestre para me dedicar a isto.
Mas logo mais darei início ao período de filmagem de um documentário que será rodado na minha cidade natal, Fortaleza, e estou bastante empolgada com o projeto. Não posso ainda dar informações mais precisas, mas pode-se dizer que vou precisar de um bom condicionamento físico.