A decoração pode ser a mesma, assim como os filmes natalinos na televisão, porém, este fim de ano carrega um peso diferente. Em 2020, a humanidade precisou lidar com uma pandemia, que transformou o cotidiano e levou a vida de milhares de pessoas pelo mundo. Tais eventos trazem à luz uma reflexão sobre o luto e o fim de um ciclo que sempre esteve presente nesta época do ano, mas nem tanto na superfície.
“O Natal e o Ano-Novo simbolizam o fim de um tempo para dar lugar a um novo tempo, o que significa o fim de um ciclo e o nascimento de um novo ciclo. Psicologicamente, esse fim de ciclo é sentido como se estivéssemos vivenciando uma perda, como se fosse o luto de uma fase que se viveu. Por isso, naturalmente, serão evocadas reações emocionais profundas em algumas pessoas.
Essas emoções são como se fossem um convite para fazermos uma introspecção, o que significa olharmos para dentro de nós, revisarmos os nossos valores sobre a vida e nós mesmos, elaborarmos o que foi vivido para assim dar espaço ao novo que está chegando”, explica a psicóloga Gabriela Silva Molento, cofundadora do Espaço Junguiano de Mato Grosso do Sul.
Normalmente, todo clima de reflexão dá lugar a um momento recheado de celebrações e compras. “Em virtude de vivermos em uma cultura que prioriza o consumismo e o entretenimento, acabamos sentindo o Natal e o Ano-Novo de forma inconsciente, desconectados do seu verdadeiro significado e propósito e mais preocupados com compras e festividades do que com o real sentido de essas datas existirem”, ressalta.
Essa corrida pelos presentes acaba transformando o processo reflexivo característico dessa época do ano em um trabalho inconsciente. “Muitas pessoas acabam entrando em crises existenciais sem entender o motivo de estarem se sentindo mais sensíveis e emotivas”, ressalta.
Desse processo que surge a fama de o Natal ser uma época mais triste do que o restante do ano, principalmente para quem perdeu um ente querido ou está longe da família, cumprindo o distanciamento social, por exemplo.
“A ativação das emoções também está relacionada aos encontros, reencontros e desencontros das situações afetivas e familiares, pois é uma época em que costumamos nos reunir com nossos familiares e amigos íntimos. Inevitavelmente serão afloradas emoções relacionadas àqueles que se fazem presentes e àqueles que já se foram de nossas vidas, deixando saudades e recordações”, explica.
Reflexão
De acordo com Gabriela, nesse processo já natural de reflexão natalina, com a pandemia, o período pode se tornar ainda mais difícil. “Parece que a Covid-19 nos desafia enquanto seres humanos a olharmos para uma profundidade da vida que não estávamos habituados a enxergar, a realidade da morte, a qual nos mostra a brevidade da vida e o quanto somos vulneráveis, por mais difícil e triste que seja, é por meio dessa consciência que podemos nos tornar humanos de verdade, ao percebermos nossa finitude”, esclarece Gabriela.
Para a psicóloga, a reação de uma parcela da sociedade aos desafios de uma pandemia mostra como ainda somos imaturos. “É uma situação que exige a nossa reflexão, que nos tirou das distrações e automatismos da rotina e colocou em questão o sentido da nossa vida”, pontua.
Porém, de acordo com Gabriela, algumas situações que ocorreram durante a pandemia mostram que a sociedade ainda não amadureceu. “Ao vermos tantos atos desumanos, egoístas, corruptos e agressivos em meio a uma situação tão delicada como esta, percebemos o quanto nossa sociedade ainda é inconsciente e imatura. Na perspectiva da psicologia, para amadurecermos enquanto sociedade, precisamos aprender a lidar individualmente com os nossos impulsos, ansiedades, nossas necessidades emocionais, e isso só é possível por meio do autoconhecimento”, pontua.
Distância
A Organização Mundial da Saúde orienta que as celebrações de Natal sejam mais simples e sem aglomerações. Para a psicóloga, esta pode ser a chance de as pessoas refletirem sobre o verdadeiro sentido do Natal. “É compreensível que boa parte das pessoas esteja triste pela possibilidade de não poder estar junto de suas famílias fisicamente para comemorar o Natal e o Ano-Novo, mas parece que isso nos força a viver ou pelo menos refletir sobre o real significado dessas datas, o qual é muito mais do que apenas festejar e comer juntos”, frisa.
O sentimento da união, mesmo a distância, deve ser a base para as celebrações em 2020. “O verdadeiro significado dessa união está muito além da presença física, ele está no sentimento de união, de amor, de solidariedade e compaixão por nós mesmos e pelas pessoas que existem ao nosso redor.
Esse é o sentido espiritual e psicológico desta época tão importante”, acredita.
Para Gabriela, o momento pode ser de aprendizado. “A dica é levarmos tudo o que foi vivido neste ano de 2020 como um aprendizado, se não estivermos abertos a aprender, a olhar para as nossas verdades coletivas e individuais, não aprenderemos nada sobre o que se passou neste ano e nada de novo nascerá em nós, e no próximo ano correremos o risco de repetir os mesmos padrões de comportamentos inconscientes”, acredita.
Aproveite para rever com maturidade e resiliência o caminho percorrido até então e traçar novas metas para o ano que vem.
“Em resumo, é um momento importante de crescimento psicológico e espiritual para enxergarmos o mundo e a nós mesmos de forma cada vez mais ampla e consciente”, frisa Gabriela.