“Procura-se a memória da fotografia lambe-lambe de Campo Grande”. A frase vem estampada na convocação que Marinete Pinheiro – jornalista, realizadora audiovisual e diretora do Museu da Imagem e do Som (MIS) – e o veterano fotógrafo Rachid Waqued fazem a toda a população da cidade.
E não tem a ver com os pôsteres dos chamados artistas de rua, pintados em látex, spray ou guache ou impressos em série em copiadoras ou no silkscreen.
Com o objetivo de resgatar as histórias dos lambe-lambes da Capital, a dupla está em busca dos personagens que, até outro dia, protagonizavam, em frente e atrás das câmeras, o cotidiano dessa prática fotográfica low-tech e que ficavam, em grande parte, na Praça Ary Coelho, no centro da cidade, bem no coração de CG.
“Nosso interesse é recuperar um pouco do processo, dos objetos, mas, principalmente, da memória e da história”, afirma a diretora do MIS.
“Assim, estamos atrás dos trabalhadores e também queremos que pessoas que fizeram fotos na praça, como lambe, nos enviem essas fotografias para construirmos de forma coletiva e participativa essa memória”, detalha Marinete Pinheiro.
Um dos objetos da pesquisa está no acervo do Museu da Imagem e do Som. Trata-se de uma câmera construída com madeira e restos de outras máquinas fotográficas, decorada com fotos, muitas do tipo retrato em 3x4, em preto e branco e coloridas, estampando uma espécie de mosaico de rostos da Capital Morena.
GUARDIÃ DA HISTÓRIA
“Essa câmera foi construída por alguém nos anos noventa e hoje está no MIS, mas antigamente ficava na Praça Ary Coelho, bem no centro da cidade de Campo Grande”, comenta Rachid.
“Ela guarda a história de um ofício chamado popularmente de fotografia lambe-lambe. Assim, queremos falar um pouco sobre esse ofício, sobre os objetos e sobre os personagens que praticavam esse método e fazer fotográfico até meados de 2000, bem como encontrar fotos, em sua maioria 3x4, que foram feitas na praça da cidade”, explica o fotógrafo.
O veterano é aficionado pela história da fotografia, especialmente em Mato Grosso do Sul, e dono de uma valiosa coleção de itens relacionados à técnica de registro de imagens, que surgiu em meados do século 19 e se tornou tanto uma linguagem dos meios de comunicação quanto uma expressão artística.
Quem quiser contribuir para pesquisa pode conversar e enviar as fotos por meio dos números de WhatsApp da dupla: (67) 99272-2906 – Marinete Pinheiro e (67) 99982-9437 – Rachid Waqued.
MÁQUINA-CAIXOTE
Os lambe-lambes, como ficaram conhecidos, surgiram ainda no século 19, no bojo do invento fotográfico.
Esses profissionais da imagem utilizavam uma máquina-caixote com o laboratório acoplado, o que lhes permitia revelar instantaneamente as fotografias tiradas nos jardins e nas praças.
A técnica antecedeu as fotografias instantâneas, do tipo Polaroid, cujo protótipo, o DTR, foi patenteado em 1939 pelo húngaro Andor Rott (1897-1997).
“Tiveram maior prosperidade entre as décadas de 1920 e 1950, mas, em decorrência das transformações urbanas e do maior acesso à fotografia, no início dos anos 1970 já eram considerados figuras raras e folclóricas”, afirma Waqued.
Em 2011, na Praça Ary Coelho, segundo o fotógrafo, só existiam dois profissionais remanescentes que dominavam a técnica.
“É o que contam alguns recortes de jornais da época. Esses possivelmente ficaram na praça até meados de 2018, desaparecendo com a chegada da pandemia”.
Para Rachid Waqued, o desaparecimento dos lambe-lambes passou despercebido, “somado a tantos outros que acontecem diariamente”.
Resgatar as histórias desses profissionais é, portanto, defende o fotógrafo, uma forma de manter viva uma atividade por muitos esquecida e que, entre outras coisas, estabelece uma relação direta com a cidade e suas transformações.
“Esse trabalho busca também lançar luz sobre a construção de memória a partir de acervos físicos, como a caixa de ‘fotinhas da praça’, e recuperar seu caráter documental, além de trazer um caráter educativo de refletir sobre o avanço das tecnologias e o quão importantes os lambes eram para a sociedade, pois, por exemplo, não se tira uma carteira de trabalho sem uma foto, e por muitos anos essas fotos saíram dessas caixas”, diz Marinete Pinheiro.