“Como é mesmo a forma do solo? A-A-B-A-A?”, pergunta o guitarrista Gabriel de Andrade aos parceiros de banda – o baterista Adriel Santos, de 37 anos, nascido em Londrina (PR), e o baixista Gabriel Basso, 38 anos, de Caxias do Sul (RS).
Gabriel de Andrade tem 30 anos, nasceu em Campo Grande e, além de caçula do grupo, é também o único integrante do El Trio sem formação autodidata.
O guitarrista cursou licenciatura em música na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e, assim como os colegas de banda, costumava se apresentar com artistas de diferentes gerações – Geraldo e Gilson Espíndola, Guilherme Rondon, Marina Peralta, Banda Urbem etc – e em projetos com os próprios parceiros do grupo antes do surgimento do El Trio, em 2017.
Andrade quer saber como deve dedilhar a sua guitarra Ibanez – modelo Artcore AFS75T – em uma das composições do baixista Gabriel, seu xará, muito elogiada por ele e pelo baterista Adriel depois de horas de ensaio.
Na sequência, é Adriel que cantarola, em estilo scat vocal, a melodia de um próximo tema de sua autoria, até atacar as peles e os pratos de seu kit percussivo.
É assim quando os arranjos vão brotando no momento da criação no estúdio, e a partida funciona mais como um ponto de partida do tema, um pedal.
Estamos em maio de 2021, a banda está há mais de 12 meses sem se apresentar para o público e, sim, o El Trio está em meio a uma maratona de ensaios e de gravações do que será o seu o primeiro álbum, que, por enquanto, tem o nome provisório de “Orbital”.
É o mesmo nome de um dos temas autorais do grupo, que se consagrou na cena instrumental de Campo Grande como banda residente do Bar Genuíno, tocando toda terça-feira por três anos.
Focando o repertório em standards ao mesmo tempo tão fundamentais e diversos quanto “Oleo” (Sonny Rollins), “Take The A Train” (Duke Ellington), “Impressions” (John Coltrane) ou “Milestones” (Miles Davis), exatamente como faz qualquer grupo do gênero em início de carreira.
A banda atingiu uma vibrante sintonia nas improvisações ao vivo, a ponto de fazer suspirar nova-iorquinos da gema, como relata o baterista ao lembrar de uma das noites antológicas com direto a público gringo na plateia. Bons tempos.
Com a parada forçada da pandemia, em 2020 fizeram apenas o projeto Som na Concha e um show privado.
Agora, desde as sessões de gravação em março deste ano, as faixas do disco passam pela fase de mixagem e masterização.
E dois documentários irão mostrar a trajetória e os bastidores da musicalidade da banda.
Documentários
A ideia de criar o El Trio partiu de Adriel, quando foi convidado a preencher a pauta do Genu. Mas ele e a dupla de Gabriel’s – daí o curioso nome do jazz trio, já que o nome dos três integrantes termina em “el” – vem tocando juntos desde 2014, época de uma temporada de shows com Erika Espíndola no Território do Vinho.
Com recursos da Lei Aldir Blanc, o grupo não somente está viabilizando o álbum de estreia, a ser lançado nas plataformas digitais. Um documentário de curta duração, aproximadamente 10 minutos, sobre a breve e já destacada trajetória do El Trio está produção.
Um outro mini doc, realizado de maneira independente, sobre o processo de gravação do disco, também está em caminho.
Os dois trabalhos são dirigidos, uma vez mais, pelo baterista Adriel, que também é produtor audiovisual, além de engenheiro de som, e toca, juntamente com a rotina da banda, a sua Cravo Filmes.
O álbum e o primeiro doc tem previsão de lançamento para o mês de junho.
A banda faz segredo e, depois de informar, pede que o nome das faixas não seja divulgado. Tampouco confirma a participação especial da pianista Ana Ferreira em uma das seis faixas programadas para o trabalho.
Ou serão sete? Deixa pra lá. Certamente coisa boa virá por aí.
Técnica e Improviso
Apesar de um certo protagonismo do piano e do sax nos trios de jazz, a guitarra surge de modo surpreendente em diversas formações ao lado da bateria e do contrabaixo.
Basta citar, como exemplo, alguns trabalhos de Pat Metheny, um dos mais bem-sucedidos e genais guitarristas norte-americanos, que cresceu ouvindo Wes Montgomery (1925-1968) e Jim Hall (1930-2013).
Com Jaco Pastorius e Bob Moses, Charlie Haden e Billy Higgins ou Dave Holland e Roy Haynes, Metheny vem mostrando o que pode um power trio de baixo, bateria e guitarra no multifacetado horizonte musical do jazz.
Pela lembrança marcante das performances ao vivo e pelos flashes que a banda revela em suas redes sociais e no YouTube, podemos dizer que o primeiro álbum deve flagrar o El Trio sob inspiração e domínio do que seus músicos sabem fazer melhor.
Os vídeos mostram a banda em um processo à flor da pele, ainda que marcado por momentos de descontração, em que procuram valorizar, na criação musical, o estatuto da composição, percorrendo técnicas e caminhos com bastante liberdade e margem de improviso.
Lembram até uma frase do argentino Manuel Puig (1932-1990), que disse uma vez sobre o seu ofício: “Escrever é como construir uma mandala e, ao mesmo tempo, percorrê-la”.
Com vocês, El Trio:
Adriel – O jazz é um estilo amplo, tem muitas vertentes e estilos conjugados. E proporciona ao músico e ao espectador viver um momento único em cada apresentação.
É um momento de criação, em que o artista, o músico, consegue expressar o profundo sentimento, o controle emocional e a técnica para uma criação simultânea em tempo real. Improvisação.
Em qualquer lugar do mundo, você vai em uma noite de jazz e as pessoas estão sentadas concentradas assistindo.
Aqui, em Campo Grande, levou tempo para a gente conseguir fazer essa formação de público, mesmo que pequeno. No último ano, a gente tinha um público que chegava cedo, pegava mesa na frente e assistia mesmo.
Andrade – É um estilo que traz muita técnica e teorias de como deve ser feito. Porém, se analisarmos os grandes nomes e as referências, vamos reparar que é algo muito natural, ligado com a expressão, e isso nada tem a ver com técnica e/ou teoria. Acho que esse é o grande mistério e a grande busca.
Basso – O que o jazz mais representa é a liberdade artística e musical. O lance da improvisação é uma das coisas principais.
Além de você estar executando uma música composta, você também está criando na hora, e quando você cria na hora tem de colocar ali a sua identidade. Você escuta o músico tocando, ele faz uma frase e você responde àquela frase. Tudo isso na hora. A isso chamo de liberdade musical.
Por mais que você toque uma composição já feita, o jazz te dá essa liberdade de tu poder criar, colocar a tua identidade ali até na forma de interpretar. E tem muito essa interação entre os músicos.
Você tem que saber ser generoso. Tem a tua hora de improvisar e a hora que você tem que estar acompanhando, fazendo uma base para aquele que está solando. Tem que ir deixando ele à vontade. Tem esse negócio de generosidade também.
Confira o Instagram do El Trio Jazz.