Obrigados a se reinventar por um público cada vez menos fidelizado e cada dia mais preocupado com as questões ambientais, o mercado de luxo tradicional está sendo conduzido a reconsiderar uma série de ativos supostamente inalienáveis.
Forçados a aventurar-se em territórios que até há pouco lhes eram totalmente desconhecidos, reinventam-se hoje para tentar existir amanhã.
A onda das “Startups de luxo”
Elas estão em alta, quebrando os códigos no mundo da joalheria, moda, tecnologia e esportes.
Nativamente digitais, lideradas por jovens designers muito inspirados, elas estão agitando o mundo. Dizem até que estão moldando o futuro do luxo. Mas, quem são elas?
São as marcas jovens, pequenas e ainda confidenciais, mas que a cada ano conquistam uma fatia maior do mercado de artigos de luxo.
Antes vistos com desdém, depois com ironia, os pequenos designers da moda agora são espionados e copiados pelos tradicionais players da indústria do luxo, que não hesitam em buscar colaborações para tirar proveito de sua vitalidade.
Mais conservadoras do que revolucionárias, as grandes marcas estão sendo forçadas a sair do confortável casulo que teceram para abraçar uma nova etapa de sua história.
Mudanças Lógicas
Em todos os setores da economia, novas marcas e modelos de negócios estão movimentando o que era considerado sólido e exclusivo: Airbnb, Uber, Alibaba, Netflix…
Leilane Sabatini, CEO do brechó de luxo Cansei Vendi, discorre um pouco sobre um dos novos movimentos do mercado voltado ao público de alto poder aquisitivo: “O movimento do Second Hand, por exemplo, é um caminho sem volta. Mesmo pessoas de alto poder aquisitivo têm buscado comprar itens de luxo de segunda mão”.
Considerando as questões ecológicas, trabalhistas e sociais envolvidas na produção de bens de consumo, não é difícil entender porque a tendência das compras em brechós tem se tornado cada vez mais relevante nos altos círculos da sociedade.
Menos é Mais
Inovações também mostram que o que era luxuoso há alguns anos atrás, pode não representar grande status hoje em dia.
Ter um carro próprio, por exemplo, era um sinal de poder e liberdade.
Hoje, muitas pessoas que têm poder aquisitivo para comprar um carro de luxo, escolhem se locomover através de aplicativos.
Os motivos são diversos, e para algumas pessoas nem envolvem economia.
Trata-se de não precisar se preocupar com vagas para estacionar, não correr tantos riscos em relação à violência no trânsito, causar menores danos ao meio ambiente, e até mesmo poder fazer outras coisas durante um trajeto, ao invés de estar dirigindo.
Ter uma scooter elétrica, por exemplo, pode parecer mais elitista e sofisticado do que ter um carro importado para ir ao trabalho.
Os motivos são similares aos que fazem algumas pessoas escolherem Uber ao invés de carro próprio, mas se somam à questão ambiental e social, também.
Ser, ou passar a impressão de que é, um alguém ambientalmente responsável e preocupado com a sociedade, tem sido considerado muito mais “chique” do que demonstrar um poder aquisitivo exacerbado, mas com pouco comprometimento com as questões globais.
Mercado de Luxo não é só moda
Como visto acima, o mercado de luxo não engloba só a moda, como, algumas vezes, pode parecer.
Trata-se de inúmeros tipos de produtos e serviços relacionados ao estilo de vida de pessoas dispostas a pagar o preço necessário para ter o que desejam.
O impacto das mudanças no mercado de luxo é global e envolve os setores têxtil, joalheiro, automotivo, imobiliário, tecnológico e ambiental, entre diversos outros.
Conectividade
No mercado imobiliário, por exemplo, nota-se o quanto as novas tecnologias de inteligência artificial e as integrações com assistentes por voz, se tornaram relevantes.
As casas conectadas estão sendo cada vez mais valorizadas, e muitas das pessoas que têm poder aquisitivo para escolher onde morar, sem precisar se preocupar com o preço do imóvel, não podem imaginar viver em uma casa sem tecnologia.
Entre as casas à venda em Campo Grande, por exemplo, pode-se notar o quanto a inteligência aplicada tem aumentado a relevância do imóvel frente aos menos conectados.
Energia solar, lâmpadas inteligentes, acessibilidade para limpeza com robôs, climatização programável, alarmes e sensores comandados à distância e diversas outras funcionalidades integradas fazem o imóvel seduzir muito mais ao público que busca luxo e sofisticação. E o mercado imobiliário sabe disso.
Influência
Atores, cantores e modelos sempre foram ícones do universo do poder e da riqueza.
Hoje, os influenciadores não são apenas aqueles que construíram histórias em Hollywood ou nos grandes palcos do mundo.
Pessoas comuns, com pautas diversas, conseguem, por um motivo ou outro, se tornar influências sobre outras pessoas, e a partir disso, surge uma mudança épica em direção a formas mais variadas, complexas, individualizadas e significativas de consumo de luxo.
A Bain & Co, empresa americana de consultoria de gestão com sede em Boston, Massachusetts, apontou, em seu relatório "Luxury Study 2017 Spring Update": As marcas devem repensar suas estratégias e se adaptar a uma mentalidade da geração do milênio".
Atrair um público mais jovem também requer reexaminar a própria marca sob o microscópio e fazer mudanças severas.
Em um cenário competitivo redesenhado, onde a qualidade e o artesanato são dados como garantidos e, portanto, não são mais os principais elementos de escolha, as marcas tradicionais buscam uma nova vida. E elas estão encontrando isso na colaboração com artistas, celebridades e influenciadores.
O objetivo: destacar sua originalidade, sua liberdade de espírito e sua abertura à novidade.
Sem Limitações
A questão da exploração da liberdade pelas marcas de luxo não está apenas no universo das ideias.
Hermès, Versace e Gucci são apenas algumas das marcas que já romperam as barreiras das passarelas e deram seus nomes a itens de cozinha e jantar, por exemplo.
De xícara de chá feita em fina porcelana à frigideira de ferro, as grandes assinaturas já se desprenderam dos tecidos e se agarraram ao que entendem que se trata de um estilo de vida.
Se uma pessoa usa Prada para complementar sua imagem pessoal, não seria uma surpresa se ela quisesse ter itens da Prada decorando sua casa.
Digitais
As gerações Y e Z estão na origem da maioria das vendas de produtos de luxo em todo o mundo.
Esses consumidores recém-afluentes, mais jovens, mas não menos exigentes, reescrevem as regras da indústria do luxo há 10 anos, trazendo novas necessidades e comportamentos, bem como estilos de vida digitalmente infundidos.
Eles agora representam o maior segmento de compradores de luxo e estão constantemente envolvidos com conteúdo online, esperando experiências digitais altamente sofisticadas.
Portanto, as marcas de luxo devem aprender a falar sua língua para oferecer experiências virtuais superiores a elas.
A dinâmica, geralmente, acontece de fora para dentro.
Ainda muito “engessadas” no que tange o universo da produção de conteúdo para a internet, é contando com o suporte de uma boa agência de marketing digital que as grandes grifes e marcas estão tentando se achegar ao público mais jovem e virtual.
Na era digital, quando a maioria dos consumidores de luxo tem 35 anos ou menos, as preferências tendem a mudar constantemente. Portanto, marcas sem uma infraestrutura digital de ponta estão operando no escuro.
Olhar para o Futuro
Durante muito tempo, a história e o patrimônio das marcas de luxo foram considerados ativos que poderiam capitalizar sem questionar.
Em apenas duas décadas, as coisas mudaram radicalmente.
Essas mesmas marcas tradicionais agora sofrem com esse posicionamento retrógrado, seja em joias, carros de luxo, moda, relógios finos, varejo ou fabricação de calçados personalizados.
Casas centenárias de repente começaram a perder terreno para novos entrantes com visão de futuro.
Quando nasceram, destacaram-se por capitalizar uma área de especialização: um método de produção artesanal, um sentido de design inigualável… Tudo centrado no produto.
Um produto desejável que todos sonhavam em possuir.
Por muitos anos, sua hegemonia nunca foi contestada porque poucos players compartilhavam o verdadeiro mercado de luxo.
Hoje, esse modelo chegou ao fim.
Em primeiro lugar, com o desejo de aproveitar as oportunidades oferecidas pela globalização, as grandes casas de luxo baixaram seu nível de qualidade, diminuindo a distância com outros players.
Por outro lado, com muito mais concorrentes, o artesanato de alta qualidade é “esperado” e nenhum consumidor pagará mais por isso. Suas preferências estão sendo moldadas cada vez mais cedo e sua atenção é mais competitiva do que nunca.
Histórias
Para que uma marca seja percebida como luxuosa, ela deve ser capaz de influenciar, inspirar e inovar.
Se estiver muito ancorada em sua herança passada, perde influência, torna-se enfadonha e desinteressante para os consumidores. Se uma marca não oferece valor extremo, ela não é mais considerada luxo, por mais importante que seja seu nome.
Os líderes do mercado de luxo de amanhã não serão necessariamente as maiores empresas de hoje. Serão os que conseguirem entender o que os consumidores desejam em determinado momento.
Mais mudanças virão e as expectativas dos clientes continuarão a aumentar. O futuro exige que as marcas de luxo evoluam e se adaptem ao cenário social. Elas terão que revisitar os pressupostos básicos e as regras tradicionais do jogo do luxo, aprender novos vocabulários e inovar.