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125 anos de Lídia Baís

MIS recebe exposição com obras da artista que integram o acervo do Marco

Segundo a pesquisadora Fernanda Reis, pintora evidenciou as relações de poder: "Com base em sua obra, pude refletir que, em uma sociedade em processo de modernização, os padrões das famílias tradicionais ainda mantinham forte influência sobre as mulheres"

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Vai ser aberta hoje, às 19h, no Museu da Imagem e do Som (MIS), a exposição “As Várias Faces de Lídia Baís”, em comemoração aos 125 anos de nascimento da artista. A exposição faz parte da programação da Semana de Museus.

A Semana Nacional de Museus deste ano, organizada pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), será realizada de 12 a 18 de maio, com o tema “O futuro dos museus em comunidades em rápida transformação”.

O evento visa comemorar o Dia Internacional dos Museus, que é celebrado no dia 18 de maio.
A exposição vai trazer as principais obras de Lídia Baís que estão sob responsabilidade do Museu de Arte Contemporânea (Marco).

Lídia Baís é uma das mais importantes figuras femininas das artes plásticas de Mato Grosso do Sul. Entre seus inúmeros méritos está sua luta por fazer arte, apesar das limitações que sua terra natal havia imposto. De família italiana, nasceu em 1900, em Campo Grande, quando esta capital era apenas um vilarejo.

RIO DE JANEIRO

Desejosa de livrar-se de seu isolamento cultural e com o apoio inicial de sua família, Lídia Baís começou no Rio de Janeiro seus estudos em pintura com o célebre Henrique Bernardelli, e são dessa fase suas obras mais acadêmicas, embora flertasse com as novidades trazidas pela Semana de Arte Moderna de São Paulo, o que é evidenciado no conjunto de sua obra.

Com a sua viagem à Europa, em 1927, Lídia entrou em contato com grandes pintores e conheceu Ismael Nery, considerado o primeiro artista surrealista do Brasil, cuja obra e amizade a influenciariam para sempre. De volta ao Rio de Janeiro, retomou seus estudos com os irmãos Bernardelli e Osvaldo Teixeira e realizou exposição individual na Policlínica do Rio, em 1929.

NA VANGUARDA

Incompreendida e sob pressão da família, retornou a Campo Grande, onde restavam às moças os afazeres domésticos e o casamento. Suas ideias e seus trabalhos iam além da compreensão e da sensibilidade do povoado. Sentindo-se enclausurada, deu início à pintura de alegorias no sobrado de sua família. Com a morte trágica do pai e um ambiente cultural hostil, Lídia se enfraquecia dia após dia.

Buscava em Deus, no mistério dos astros e em questões existenciais o impulso para suas telas. Seu mundo abstrato e o universo de suas emoções, expostos no conjunto de escritos, diários, desenhos e pinturas, são documentos reveladores de muitas Lídias. A sua busca incessante por uma estética própria e pelo sentido do mundo faz de Lídia uma artista insaciável.

RELIGIÕES

Nas religiões, buscou também o conforto, e da arte, que entendia como essencial e sagrada, desejava a liberdade. Determinada e guerreira, buscou apoio para implantar um museu de arte em uma Campo Grande sem luz elétrica.

A dimensão política e a ousadia deste ato de Lídia em plena década de 1950 não podem ser ignoradas. Não chegou a concretizar o sonho do Museu Baís, mas nunca deixou de acreditar na importância e na força da arte. Hoje, sua profecia está sendo cumprida a passos lentos, graças aos esforços de pessoas que, como Lídia no passado, lutam para que a arte e a cultura sejam consideradas fundamentais na construção de uma sociedade.

SOLIDÃO

Resignou-se à sua terra natal, cerrada em si mesma, porém, tinha esperança na compreensão futura de sua obra. Morreu no dia 19 de outubro de 1985, com esclerose e sozinha em uma casa repleta de animais e obras de arte encaixotadas, com poucas companhias fiéis, entre elas, a de sua sobrinha Nelly Martins, que, antecipando o futuro, promoveu exposições quando a artista ainda estava viva e, com a ajuda de familiares, organizou e doou todo seu acervo à Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS). O Marco sente-se honrado com a salvaguarda, desde 1991, do precioso acervo de Lídia Baís.

RELAÇÕES DE PODER

“A maior parte das obras de Lídia Baís não tem datação, o que dificulta estabelecer uma relação clara entre o conteúdo artístico e o contexto histórico. Ainda assim, é possível afirmar que suas composições traduzem as contradições presentes nas sociedades modernas da região sul do antigo Mato Grosso”, afirma a professora de história Fernanda Reis, que, em sua pesquisa de doutorado, joga novas luzes sobre a obra da pintora.

“A artista evidenciou, nas pinturas analisadas durante a minha pesquisa, as relações de poder. Com base em sua obra, pude refletir que, em uma sociedade em processo de modernização, os padrões das famílias tradicionais ainda mantinham forte influência sobre as mulheres”, diz Fernanda.

“Diversos acontecimentos marcantes evidenciam sua personalidade singular, como a escolha de 1910 como o ano oficial de seu nascimento – uma tentativa de amenizar sua aversão ao envelhecimento, sempre justificada por argumentos que revelavam profundas inquietações existenciais. Lídia decidiu fugir para o Rio de Janeiro com o intuito de estudar na Escola de Belas Artes. Com o apoio de uma auxiliar de sua irmã, residente em São Paulo, partiu de madrugada, sozinha e sem recursos financeiros”, prossegue a pesquisadora.

“Após sua primeira exposição, o poeta Murilo Mendes escreveu-lhe com o objetivo de apoiá-la na organização de uma nova mostra, desta vez em São Paulo. Mendes chegou a redigir cartas de apresentação a Mário de Andrade e René de Castro, mas não há registros de que esses encontros tenham, de fato, ocorrido”, conta Fernanda.

LIVRO

“‘História de T. Lídia Baís’ é um livro escrito por Lídia Baís em terceira pessoa, no qual ela faz uso do pseudônimo Maria Tereza Trindade. A partir dessa personagem, a artista narrou parte de sua história, destacando alguns acontecimentos específicos de sua vida. Trata-se de uma obra de produção independente, na qual a artista procurou situar os leitores no contexto social em que vivia, bem como na relação com a família, que se faz presente ao longo de todo o texto”, revela a especialista.

“‘História de T. Lídia Baís’ apresenta uma visão extremamente positiva da artista, ao mesmo tempo em que discursa sobre um longo processo de silenciamento. Maria Tereza Trindade elegeu o lugar de gênio para Lídia Baís, exaltando suas qualidades como artista e os dons espirituais que dizia possuir. Pela voz de Maria Tereza Trindade, Lídia Baís viu-se como uma mulher com qualidades especiais, capaz de uma superioridade intelectual e artística que, segundo ela, estava além da capacidade de compreensão daqueles a quem chamava de ‘vulgo bolorento’”, continua Fernanda.

ESPIRITUALIDADE

“Lídia Baís se apresentava como uma mulher de espiritualidade profunda, considerando-se uma grande filósofa das questões do mundo e do universo. Via-se como uma gênia e afirmava: ‘Deus dotou-me de dons que não se explicam, a não ser a um privilegiado que Ele apontou no mundo para tal. Assim sou eu, compondo músicas originalíssimas, pintando quadros que transmitem profecias alegóricas…’”, cita a professora e pesquisadora.

“As questões relacionadas às suas habilidades mediúnicas e espirituais recebem destaque na voz de Maria Tereza Trindade, de modo que é possível pensar que, ao escrever esse livro, Lídia tenha se sentido impulsionada por uma voz falando consigo e a respeito de si mesma. Lídia Baís e Maria Tereza Trindade são a mesma pessoa, ao mesmo tempo em que são duas vozes distintas que se entrelaçam na expectativa de visibilizar uma existência feminina”, reflete.

“A religiosidade sempre desempenhou um papel central na vida de Lídia Baís. Sua busca espiritual foi constante e constituiu parte fundamental de sua trajetória pessoal e artística. Desde muito jovem, inclinou-se às questões do espírito e buscou expressar essa dimensão em suas obras – as quais, segundo ela, não foram plenamente compreendidas”, segue a pesquisadora em suas ponderações.

“Durante anos, Lídia dedicou-se ao estudo de diversas manifestações religiosas. Frequentou centros espíritas, cartomantes, videntes e seitas, alegando ouvir vozes e sentir-se perseguida por maus espíritos. Em função disso, praticava jejuns prolongados e evitava sair de casa com frequência. Em um desses períodos de intensa experiência espiritual, entrou em um estado que chamou de ‘transe universal’, durante o qual, por cerca de 30 dias, compôs músicas ao piano. Em seu livro autobiográfico, relatou que essas criações foram orientadas pelas vozes que ouvia, conferindo-lhes um caráter profético e místico”, conta Fernanda.

“Analisar a vida e a obra de Lídia Baís para além de uma perspectiva estética da arte reafirma a importância dos estudos sobre a história das mulheres e das relações de gênero. Ao me debruçar sobre uma trajetória de vida feminina, inevitavelmente me vi diante de outras histórias, de outras mulheres, que, inseridas em um espaço/tempo, também se viram diante das armadilhas, dos conflitos e das tensões de um período histórico marcado por profundas mudanças nas estruturas sociais”, propõe.

“Destaco que a trajetória de vida de Lídia Baís não é apenas dela, mas fala de outras mulheres e para elas. Portanto, reconheço a importância de ouvir essas mulheres que entraram em cena na parte final deste trabalho, que, assim como Lídia Baís, viveram a experiência da dominação pelo patriarcado, da inferiorização e do silenciamento”, afirma a pesquisadora.

AÇÃO CONJUNTA

Para o diretor-presidente da FCMS, Eduardo Mendes, “essa mostra oferece ao público a oportunidade de se aproximar da produção de Lídia Baís de maneira sensível e educativa, promovendo experiências que estimulam o olhar crítico, a reflexão sobre pertencimento e o reconhecimento de narrativas que muitas vezes foram invisibilizadas na história da arte brasileira”.

A coordenadora do Marco, Vera Bento, disse que esta ação conjunta entre o MIS e o Marco reafirma o papel dos museus como espaços vivos de memória, criação e formação crítica.

“Lídia Baís é figura central na história da arte sul-mato-grossense. Com uma trajetória marcada por ousadia estética, inquietação espiritual e profunda consciência de seu tempo, a artista construiu uma obra singular que articula elementos do sagrado, do feminino e da ancestralidade em composições densas e simbólicas. Ao valorizar suas raízes familiares e questionar padrões sociais, Lídia rompeu silêncios impostos às mulheres e consolidou uma linguagem própria, de forte valor identitário”.

A exposição vai até o dia 30 de junho e ficará aberta à visitação de segunda a sexta, das 7h30min às 17h30min, no Museu da Imagem e do Som, que fica no 3º andar do Memorial da Cultura e da Cidadania, na Avenida Fernando Corrêa da Costa, nº 559, Centro.

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Comportamento B+: "ChatGPT, POSSO TE CONTAR UMA COISA?" Como usar a IA com consciência emocional

O risco silencioso de trocar o terapeuta por um robô e o que isso revela sobre a nossa relação com o cuidado

21/06/2025 16h00

Comportamento B+:

Comportamento B+: "ChatGPT, POSSO TE CONTAR UMA COISA?" Foto - Pinterest

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“Oi, Chat, posso desabafar com você?” A pergunta, simples e despretensiosa, vem sendo cada vez mais comum. Nos momentos de solidão, dúvida, confusão, naquela pausa entre uma reunião ou antes de dormir, muita gente recorre ao ChatGPT em busca de escuta e soluções.

Ele responde rápido, usa sempre palavras gentis, parece entender. E, de certa forma, entende mesmo. Domina muitos assuntos, organiza ideias, sugere caminhos.

Mas será que isso basta? A psicóloga Carla Salcedo acompanha esse movimento de perto. “A inteligência artificial está ocupando um espaço de companhia emocional. E isso revela tanto o potencial da tecnologia quanto o vazio de relações que muitas pessoas estão vivendo”, diz.

Segundo ela, conversar com um robô pode ser útil em momentos pontuais, mas o risco está em transformar essa troca em substituição. “A IA está disponível 24 horas por dia, pode acolher, mas não confronta. Pode responder, mas não escuta. Pode sugerir caminhos, mas não caminha com você”, afirma.

Esse movimento de dependência emocional da IA, embora recente, já preocupa especialistas em saúde mental. Há casos em que as pessoas passam horas conversando com o robô sobre suas angústias mais íntimas, criando uma falsa sensação de vínculo.

A linguagem fluida, os conselhos neutros e a ausência de julgamento reforçam a ideia de que aquele espaço é seguro, quando, na verdade, é apenas previsível. “O cérebro humano responde emocionalmente à linguagem. Quando lemos algo que faz sentido, sentimos alívio.

Mas isso não significa elaboração emocional, tampouco transformação”, diz Carla. A longo prazo, esse tipo de relação pode reforçar padrões de evitação, afastar ainda mais o sujeito das relações reais e retardar a busca por ajuda profissional.

Outro ponto de alerta está na forma como a IA se comporta: ela jamais provoca desconforto. E, como lembra a psicóloga, “é justamente o desconforto que muitas vezes abre as portas para a mudança”. A terapia, ao contrário da conversa com um robô, envolve confrontar crenças, rever padrões, encarar frustrações e, sobretudo, sustentar silêncios.

“Uma inteligência artificial pode sugerir que você respire fundo, mas não vai te olhar nos olhos quando você estiver prestes a desmoronar. Não vai notar os sinais físicos ou o tremor na sua voz ao contar o que te aflige”, completa.

Há ainda um risco mais sutil: o de romantizar a inteligência artificial como “terapeuta virtual”. Muitos usuários já se referem ao ChatGPT como um “amigo que entende tudo”, “alguém que nunca julga” ou “melhor conselheiro que já tive”.

Essa idealização é perigosa, segundo Carla, porque mascara a ausência de reciprocidade. “A IA não sente, não pensa, não se importa, embora seja sempre gentil. Ela funciona com base em cálculos e padrões. E, embora isso possa gerar alívio momentâneo, está muito distante do que chamamos de cuidado.”

Isso não significa que a tecnologia deva ser descartada. Ela pode, sim, ter um papel complementar: organizar ideias, oferecer perspectivas, ajudar a nomear sentimentos. Mas é fundamental compreender seus limites. “A IA pode apoiar, mas não trata. Pode aliviar, mas não cura. Pode parecer companhia, mas não constrói vínculo”, reforça Carla.

Quando buscar ajuda de verdade?

Se você percebe que está usando a IA como válvula de escape recorrente, se sente que precisa desabafar com o robô com mais frequência do que com pessoas reais, ou se tem evitado marcar uma consulta porque “o Chat já entende”, talvez seja hora de parar e olhar com mais cuidado para esse comportamento.

“A substituição da relação humana pelo ChatGPT pode parecer inofensiva no início, mas tende a reforçar o isolamento e a sensação de estar vivendo no automático”, observa Carla.

Como usar a IA com consciência emocional (e não como substituta da terapia!)

1- Perceba sua motivação: Você está conversando com o ChatGPT para clarear uma ideia — ou para fugir de uma dor que tem evitado encarar?

2- Observe a frequência: Se o uso vira hábito diário ou sempre aparece em momentos de sofrimento, atenção: isso pode indicar dependência emocional digital.

3- Entenda o limite da ferramenta: A IA pode ajudar a organizar pensamentos, mas não identifica traumas, padrões emocionais nem constrói repertório interno.

4- Busque apoio humano: Se está se sentindo sobrecarregado, triste, ansioso ou confuso, procure um profissional. Um psicólogo pode te acolher e acompanhar com base, ética e presença.

5- Use a IA como apoio complementar: Ela pode ser útil para escrever um diário emocional, estruturar uma conversa difícil ou pensar em perguntas para levar à terapia. Mas o caminho se percorre com gente de verdade.
 

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Cinema B+: Stick Um Silencioso Golpe de Redenção

Owen Wilson retorna nesta dramédia esportiva sobre trauma, mentoria e segundas chances dentro e fora do campo de golfe.

21/06/2025 14h00

Cinema B+: Stick  Um Silencioso Golpe de Redenção

Cinema B+: Stick Um Silencioso Golpe de Redenção Foto: Divulgação

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A série Stick, que estreou na Apple TV+ em 4 de junho de 2025, marca o retorno de Owen Wilson à televisão em um papel principal, desta vez como Pryce “Stick” Cahill, um ex-jogador profissional de golfe cuja carreira desmoronou por questões pessoais e emocionais.

A trama acompanha sua tentativa de redenção ao se tornar o improvável mentor de Santi Wheeler (Peter Dager), um jovem e talentoso golfista com seus próprios demônios interiores. A série é uma dramédia esportiva com forte apelo emocional, ambientada no universo aparentemente calmo, mas cheio de pressões, dos campeonatos amadores de golfe nos Estados Unidos.

Apesar das comparações inevitáveis com Ted Lasso, Stick segue seu próprio caminho ao evitar o sentimentalismo exagerado e optar por um tom mais melancólico e contido, centrado nas relações humanas e nas feridas mal cicatrizadas que seus protagonistas carregam. Para ser honesta, se Stick fosse sequer perto de Ted Lasso, seria uma boa série. Mas não é.

Criada por Jason Keller (roteirista de Ford v Ferrari) e dirigida nos episódios iniciais por Jonathan Dayton e Valerie Faris (dupla por trás de Pequena Miss Sunshine), a série aposta em uma linguagem visual que valoriza a vastidão dos campos de golfe como metáfora para o isolamento emocional dos personagens.

Há uma estética deliberadamente ensolarada, mas rarefeita, que contrasta com a escuridão interna dos protagonistas. Em termos de bastidores, a produção foi marcada por uma curiosa mistura de espontaneidade e rigor técnico. 

Owen Wilson participou ativamente do processo de criação do personagem, chegando a improvisar algumas das falas mais marcantes da série. Além disso, o ator passou por um treinamento intenso com consultores de golfe para parecer crível no papel de ex-profissional — ainda que a proposta nunca tenha sido fazer da série uma vitrine para o esporte, e sim um estudo de personagens.

Peter Dager, em seu primeiro grande papel na televisão, é uma das grandes revelações da série. Sua química com Wilson é construída de forma gradual e verossímil, sem recorrer a clichês fáceis de “pai e filho substituto”.

O elenco de apoio também chama atenção: Judy Greer interpreta a ex-esposa de Stick com uma mistura de dureza e compaixão, enquanto Marc Maron vive um treinador decadente e amargurado, talvez o papel mais amargo de sua carreira. Lilli Kay e Mariana Treviño completam o núcleo dramático com subtramas que exploram os bastidores do circuito esportivo amador — como assédio, expectativas familiares e exploração da imagem pública.

Do ponto de vista narrativo, Stick não foge de uma estrutura bastante tradicional: temos a jornada do herói caído que tenta se reerguer ao ajudar outra pessoa. O diferencial está na recusa em romantizar essa trajetória. Tanto Stick quanto Santi são personagens feridos, e o roteiro, muitas vezes, os mostra tomando decisões erradas ou sendo cruéis entre si.

Essa crueza emocional é ao mesmo tempo um mérito e uma limitação. Embora a série busque autenticidade, há momentos em que o excesso de traumas e conflitos passados pesa demais na balança. A crítica da Vulture chamou atenção para isso ao destacar que a série parece “presa ao trauma” — uma armadilha comum em séries contemporâneas que tentam equilibrar drama e leveza, mas às vezes tropeçam no tom. Para mim, o que está cansativo é justamente a maneira de Wilson de falar: sua assinatura, mas arrastado quando é o principal.

Cinema B+: Stick  Um Silencioso Golpe de RedençãoCinema B+: Stick – Um Silencioso Golpe de Redenção - Divulgação

Em termos de recepção, Stick dividiu opiniões. Enquanto a Time Magazine a descreveu como uma evolução natural do modelo Ted Lasso, menos dependente de carisma e mais focada na verdade emocional dos personagens, outras publicações como a Washington Post apontaram que a previsibilidade da trama e o ritmo por vezes arrastado poderiam afastar parte do público.

Ainda assim, a série conquistou atenção não apenas pelo nome de Owen Wilson, mas também por apresentar uma faceta rara na televisão americana: o golfe como pano de fundo para histórias de redenção e afeto masculino não romantizado.

Outro ponto interessante nos bastidores é a escolha do jovem Peter Dager. O ator foi descoberto em testes abertos e escalado após uma série de audições presenciais e remotas. Sua performance tem sido considerada uma das mais autênticas da temporada.

Houve também uma consultoria esportiva rigorosa, com a participação de profissionais reais do circuito amador, para evitar erros técnicos nos detalhes — desde o grip do taco até as regras internas de torneios regionais.

Stick pode não ser revolucionária, mas oferece uma abordagem sóbria e delicada sobre vínculos, luto e segundas chances, com um protagonista carismático em sua fase mais introspectiva. É uma produção que exige paciência, mas recompensa o espectador com pequenos gestos de humanidade, sem grandes arroubos nem viradas artificiais.

No fim, talvez seja isso que a série proponha: que nem toda reviravolta precisa ser grandiosa — às vezes, é só uma caminhada silenciosa em direção a um green bem cuidado, com o sol no rosto e a sombra dos erros passados ainda projetada no chão.

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