O documentário da Netflix dá voz à mulher que precisou se reconstruir depois de descobrir que o pai era um dos serial killers mais infames da América
Dentre os serial killers mais sádicos e temidos do século 20, Dennis Rader, conhecido como “BTK”, se destaca não apenas pela brutalidade e pelo número de vítimas, mas pelo tempo em que conseguiu matar sem ser descoberto — e pela forma quase banal como acabou sendo pego.
BTK começou a agir nos anos 1970, mas só foi preso em 2005. Duas décadas de impunidade chegaram ao fim por um erro quase anacrônico: orgulhoso da própria história, Rader mantinha contato com a polícia e acreditou que enviar uma mensagem em disquete o manteria anônimo. Não sabia que deixava rastros digitais. A partir desse detalhe, os investigadores chegaram até ele — e confirmaram sua identidade graças a uma amostra de DNA obtida a partir de um exame médico de sua filha, Kerri Rawson.
E é justamente Kerri quem hoje conta essa história, em entrevistas e no impactante documentário da Netflix My Father, the BTK Killer.
A filha que busca respostas
Há histórias de terror que não precisam ser inventadas — e poucas são tão devastadoras quanto a de Kerri Rawson.
Em 2005, ela vivia uma vida tranquila no subúrbio, recém-casada e à espera do primeiro filho, quando a polícia bateu à sua porta com uma notícia impossível de compreender: seu pai era o BTK Killer, o assassino em série que havia aterrorizado o Kansas por quase vinte anos.
“BTK” — sigla para Bind, Torture, Kill (amarrar, torturar, matar) — era o nome que o próprio Rader usava em cartas e enigmas enviados à imprensa, enquanto se escondia sob a fachada de um cidadão exemplar: líder da igreja local, escoteiro, marido e pai dedicado.
O documentário, dirigido por Skye Borgman (American Murder: The Family Next Door), é menos sobre os crimes em si e mais sobre o abismo deixado por eles. A produção mergulha na jornada de Kerri — não como herdeira da infâmia, mas como uma mulher tentando compreender quem é depois que tudo o que acreditava sobre o amor, a fé e a família foram destruídas.
Com delicadeza e empatia, Borgman constrói um retrato íntimo de Kerri, que durante anos viveu entre o silêncio e a exposição involuntária.
“Ela passou boa parte da vida sob o peso dos crimes do pai e é compreensivelmente cautelosa com quem entra nesse espaço”,
disse a diretora.
Ganhar sua confiança exigiu mais do que entrevistas — exigiu cuidado, escuta e respeito pelos limites que Kerri aprendeu a erguer.
No documentário, Kerri revisita lembranças de infância que hoje soam como presságios: terrores noturnos, medo do escuro, uma sensação constante de ameaça. Ela se pergunta se, de algum modo, sua mente infantil já pressentia o monstro escondido atrás da figura paterna.
Ao revisitar o passado, Kerri também ajuda investigadores a reabrir casos antigos que podem estar ligados a Rader — uma busca moral e dolorosa, pois cada nova pista reacende feridas que ela tenta cicatrizar há vinte anos.
Entre o amor e o horror
“Meu papel era criar uma estrutura de cuidado e integridade em torno de uma narrativa que tantas vezes foi contada por outros”,
explica Borgman.
E o que se revela é o paradoxo cruel de Kerri: amar o pai e odiar o que ele representa.
O documentário mostra um raro encontro entre os dois, em 2023, após quase duas décadas sem contato. Frente a frente, ela tenta arrancar dele a verdade sobre possíveis novas vítimas — e sobre lembranças pessoais perturbadoras —, mas Rader se esquiva.
“Quero conversar como pai e filha”, diz ele.
É um momento sufocante. Kerri percebe que a única verdade que o pai pode oferecer é o silêncio.
Desde então, ela cortou todo contato. É a sua forma de sobreviver.
“Essa história não é sobre um crime”, diz Borgman. “É sobre uma mulher tentando reconciliar amor, traição e herança familiar.”
Cinema B+: Meu Pai, o Assassino BTK — a filha que carrega o peso do nome - DivulgaçãoUma vida reconstruída
Hoje, Kerri tenta viver longe do eco do nome BTK. Trabalha com vítimas de trauma, ajuda investigadores quando pode, mas aprendeu que sua cura não depende das confissões do pai.
“Eu só quero ser eu mesma”, diz, em uma das falas mais comoventes do filme.
Depois de anos se escondendo, ela aceitou se colocar diante das câmeras — não para reviver o horror, mas para encerrá-lo.
My Father, the BTK Killer é, para Kerri, um rito de passagem: o ponto final que se transforma em recomeço.
Um retrato de coragem
Assistir ao documentário é confrontar uma pergunta impossível: até onde o amor resiste quando a verdade destrói tudo o que
sabíamos?
A resposta de Kerri não é simples — mas é profundamente humana.
É o retrato de uma mulher que se recusa a ser definida pelo monstro que gerou, e que encontrou, na própria dor, um caminho para libertar-se.
My Father, the BTK Killer está disponível na Netflix.