Sem esconder a satisfação com a sua nova obra, Rafael Belo também está ansioso para mostrar aos leitores o resultado final de “Troca-se Míssil por Poesia”, seu quinto livro, em que, de mãos dadas e, ao mesmo tempo, de punhos cerrados com o cotidiano, o escritor vocifera e acaricia os problemas, os sentimentos e as impressões que capta – de si mesmo, dos outros e do mundo – ao propor uma dinâmica de aproximação e distanciamento com as temáticas em recorte que se estabelece e se expande na página como um interessante jogo formal.
A brincadeira do poeta com seu repertório é leve, sem desespero. Passa longe do penhasco de uma Florbela Espanca quando trata de amor ou a léguas do dedo em riste de um Sérgio Vaz quando quer brigar com as escrotidões do mundo. Mas não se engane. Belo está com as palavras em punho. E engatilhado com a informação e a inspiração que busca no correr dos dias, calibra a voz com dor e indignação ante os horrores cotidianos, brindando o leitor com gritos e sussurros que, sem alarde, enveredam por exercícios formais, emocionam, exasperam e fazem pensar.
Dá vontade de trazer Cacaso, Leminski e o pernambucano Wladimir Cazé para essa resenha. Esse terceiro, pelo apreço às micronarrativas e aos pequenos organismos que voam ou rastejam. Os outros dois, por certa ingenuidade, afiada em desleixos e confissões, ao falar de terror e amor. Mas deixa a conversa entre nós e Belo. Há muito o que escutar e viajar nos 26 textos de “Troca-se Míssil por Poesia”, que ganha lançamento hoje, na Casa de Cultura (Av. Afonso Pena, nº 2.270), a partir das 18h, com entrada franca.
Marcelo Fernandes, Jerry Espíndola, Silveira e Sandim estão entre as atrações musicais que o poeta convidou para dar uma canja no evento, que terá diversas outras presenças no line-up paralelo aos autógrafos e abraços, como Ana Béllo (dança) e Touché (moda).
“Esse é o livro que mais esperei. Ele está redondinho. Desde a capa, as cores, a semiótica até os espaços amarelados entre os nanocontos, e as poesias. Ficou imperfeito como qualquer perfeição gostaria”, diz Belo, que nasceu em Ribeirão Preto (SP) e há uma década vive em Campo Grande.
“A obra está no momento em que estou. E hoje escrevo poesias e as deixo conversando com os nanocontos. Misturo duas linguagens, duas narrativas, e isso me satisfaz, levando o leitor a uma viagem sinestésica completa”, afirma o poeta, autor de “Vendo Versos” (Life Editora – 2019), “Eco do Tempo” (Caravana Grupo Editorial – 2023) e “Quando o Alarme Toca” (Editora Flyve –2024), além do conto “O Impacto Esquecido” (Amazon), escrito em 2016 e disponível desde 2023 somente em versão digital.
DIÁRIO POÉTICO
Belo conta que a ideia de “Troca-se Míssil por Poesia” surgiu “diante” de dois pontos. O primeiro: “a guerra incessante, as guerras novas e as guerras nos diversos Brasis”. O segundo: “o ponto de vista da paz brasileira e [do ponto de vista] de que, muitas vezes, reclamamos de barriga cheia”.
Ele espera que quem leia encontre ironia, crítica e humor.
“Mas sempre com a ideia de cutucar, de ressignificar, de sair do lugar-comum, de abrir um prisma diante da ótica da dicotomia que o mundo voltou a adotar”, pondera.
“É o que já me disseram [sobre o livro] ser um diário poético do cotidiano. É literalmente trocar as coisas pesadas por coisas leves, trocar mísseis por poesia. Espero contemplar o público com atenção e surpresa diante da montagem e desmontagem de palavras que se conectam de formas tão diversas que vai levar a mente do leitor a parar antes de entrar em uma agitação de identificação”, afirma o escritor, que relembra de um encontro com Geraldo Espíndola para falar sobre como escolheu os 24 poemas e os dois contos do livro.
“A seleção se deu pela poesia. Um dia, já havia escrito a poesia ‘Troca- se Míssil’ quando o Geraldo Espíndola, que fez a orelha do meu primeiro livro, de 2019, ‘Vendo Versos’, disse que minha poesia era contemporânea. Era trocar o armamento pesado pela rima autêntica revolucionária, ou algo assim [risos]. A partir daí, o livro segue levando o leito do nanoconto em prosa poética ‘Amparo’ para findar com o nanoconto ‘Bomba’”, conta Belo, jornalista de formação com especializações em Marketing Digital (Estácio) e Estudos Literários (UEMS).
NECESSIDADE
“Escrever é uma necessidade. É uma vontade emergencial, principalmente quando algo me incomoda. E a vida e as atitudes das pessoas me incomodam todos os dias [risos]. Antes de deitar e antes de levantar eu já escrevo algo. (É) como acordar, comer, beber, ir ao banheiro, ser útil para o mundo, deixar um legado e dormir. É minha rotina livre diária. As minhas referências são as ruas, as guerras e como elas me fazem sentir. E como eu enxergo o reflexo de tudo isso nas pessoas. É a observação constante e a minha vontade de fazer diferente do que já foi feito”, revela o poeta.
AUTORES E FORMATOS
Entre os autores preferidos, ele menciona “Victor Hugo disparado” para, em seguida, enumerar uma extensa lista. “Augusto dos Anjos, Joe Hill, Anne Rice, o mestre Stephen King, William Gibson, Manoel de Barros, Fernando Pessoa, literatura africana no geral, começando por Scholastique Mukasonga, Machado de Assis, Lima Barreto, Clarice Lispector, Chico Buarque, Febraro, Dianni Pilati, Tânia Souza, Raquel Medina. Esses são os principais. Lembrando que só comecei a ler poesia depois que considerei formado meu eu poeta”, afirma.
Belo considera os formatos de textos que gosta de praticar contrastantes e arrisca uma breve distinção.
“A prosa busca o fazer informal, é corrida como um bate-papo apressado. Versos são sons e imagens para mim e, muitas vezes, os significados que rimam. Os textos híbridos, eles soam para mim como contos, minicontos, nanocontos e crônicas onde a poesia surge naturalmente ou é citada. No fundo, tudo é poesia”, diz o autor, que entre outras homenagens recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Federação das Religiões de Povos de Terreiro de Mato Grosso do Sul Ajô Nilê.
SERVIÇO
Lançamento "Troca-se Míssil por Poesia" de Rafael Belo - Editora Litteralux - R$ 60
Atrações: Marcelo Fernandes, Silveira, Jerry Espíndola, Jimmy Andrews, Ipê da Serra, Thalya Veron, Erika Pedraza, Mhiguel Horta, Anderson Barbosa, Wanick, Sandim, Dança de Salão com Arguilhera e Ana Béllo, Studio Dance e Aline Alfaia, moda autoral com Touché, Ayele Tissu e Almerindo
Hoje, às 18h, na Casa de Cultura (Avenida Afonso Pena, nº 2.270, Centro)
Entrada Franca