Em “Rondon Menino Cândido”, dois dos maiores nomes da literatura infantojuvenil brasileira apresentam ao público jovem um herói nacional que, embora reconhecido, merece novas abordagens: marechal Cândido Mariano Rondon (1865-1958).
O livro, que o Documenta Pantanal lança este mês, em parceria com o Instituto Ziraldo, Ciça Alves Pinto, autora de 28 livros infantis, e Ziraldo (1932-2024), um dos mais premiados artistas gráficos do País, contam a infância do militar mato-grossense que, além de comandar a implantação de linhas telegráficas pelo Centro-Oeste, mapear o Pantanal e parte da Amazônia e demarcar as fronteiras do país, foi pioneiro na defesa dos direitos dos povos indígenas, sobretudo das suas terras.
Conhecido pela política de não agressão, que guiava suas incursões por territórios habitados por povos como os bororo e os paresi, Rondon foi responsável pela criação do Serviço de Proteção ao Índio, em 1910, e tornou-se uma referência para nomes como Darcy Ribeiro (1922-1997), irmãos Orlando (1914-2002), Cláudio (1916-1998) e Leonardo Villas-Bôas (1918-1961), com quem lutou pela criação do Parque Nacional do Xingu, primeira terra indígena homologada pelo governo do País.
“MATAR, NUNCA”
O livro conta a infância pantaneira de Cândido Mariano e as aventuras que marcaram o início do trajeto de realizações que lhe renderiam a inscrição no livro dos heróis da pátria. Nascido em Santo Antônio de Leverger, em Mato Grosso, no dia 5 de maio de 1865, ele é o autor de frases que dão uma boa noção de seu comprometimento com os povos originários, a exemplo de “morrer se preciso for; matar, nunca”.
Escrito em 2016, originalmente para ser distribuído entre professores da rede pública de Rondônia, “Rondon Menino Cândido” acaba de ganhar sua primeira edição comercial. A realização é do Documenta Pantanal, iniciativa que, desde 2019, fomenta e viabiliza filmes, livros, exposições e ações internacionais voltadas a construir a memória do bioma, divulgar suas riquezas e alertar sobre as ameaças que ele sofre.
HERÓI
Para Mônica Guimarães, que coordena o Documenta ao lado de Teresa Bracher, a intenção é que o livro infantojuvenil ajude a sanar uma lacuna. “É triste constatar que até nos estados pantaneiros, onde o marechal Rondon nasceu, sua figura e sua importância sejam tão pouco conhecidas pelos jovens”, afirma.
Para Ciça, que foi uma cartunista pioneira e dedica-se à literatura para crianças desde os anos 1980, a ideia do livro é ampliar o contato do público infantil e infantojuvenil com a história “desse grande herói brasileiro” e trazer o olhar dos jovens leitores para a beleza do Pantanal, palco da história do marechal.
“Para mim, Rondon e o Pantanal são parte não só da história e da geografia do País, mas principalmente do coração do Brasil”, diz Ciça, que é casada com o também cartunista Zélio Alves Pinto, irmão de Ziraldo. A edição foi desenvolvida em parceria com o Instituto Ziraldo, que se dedica a preservar o acervo visual e intelectual do cartunista, desenvolvendo projetos de valorização da leitura.
GLOSSÁRIO
No intuito de facilitar o acesso de novos públicos à história de Rondon, a edição inclui uma série de conteúdos adicionais, que contextualizam transformações políticas relevantes para a trajetória do marechal, como a Guerra do Paraguai (1864-1870) e o projeto de unificação territorial da República, que explicam a relação entre Rondon e o estado que ganhou seu nome. Além disso, falam dos contatos que ele estabeleceu com etnias como os temidos nambiquara, que lhe renderam uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz, em 1957.
Um glossário explica termos, personagens e eventos históricos mencionados no texto. A nova edição de “Rondon Menino Cândido” ganhou seu primeiro lançamento na tarde de quinta-feira, na bancada do Documenta Pantanal na Feira do Livro do Pacaembu, que teve início no dia 14 e seguiu até ontem, em São Paulo.
No lançamento, Ciça, além de falar sobre a obra, destacou a importância do marechal Rondon na defesa dos direitos indígenas, durante sua participação na mesa “Histórias da Mata”, que também contou com a presença do escritor e podcaster Maickson Serrão, criador do podcast Pavulagem, que conta histórias dos seres encantados da Amazônia. O livro pode ser adquirido, a partir de hoje, no site do Documenta Pantanal.
CIÇA
Ciça, ou Cecília Alves Pinto, é ilustradora e autora de livros infantis. Nos anos 1960, trabalhou como jornalista, produzindo reportagens para a revista O Cruzeiro e publicou contos na revista Cigarra. Entre 1967 e 1985, publicou diariamente na “Folha Ilustrada”, na tira “O Pato”, uma das poucas de produção nacional a figurar nos jornais da época e que driblava a censura então vigente, ao usar animais para retratar cidadãos, políticos e militares.
Publicou 28 títulos, incluindo três no exterior. “Passeio”, “Travatrovas”, “Quebralíngua”, “Bichos, Bicho!” e “A Turma do Bixuxujo” estão entre as suas principais obras.
ZIRALDO
Ziraldo Alves Pinto, nascido em 1932 em Caratinga (MG), foi jornalista, escritor, pensador, cartunista, caricaturista, artista gráfico, ilustrador, humorista e ambientalista de primeira hora. Publicou seu primeiro desenho aos 6 anos, no jornal A Folha de Minas. Em 1948, mudou-se para o Rio de Janeiro e levaria 12 anos para realizar o sonho de tornar-se autor de quadrinhos: em 1960, lançou a revista “Pererê”, com temáticas socioambientais relevantes até hoje.
Durante a ditadura militar brasileira, entre os anos de 1960 e 1970, Ziraldo teve forte atuação política e foi um dos fundadores do irreverente periódico O Pasquim. Em 1969, lançou seu primeiro livro para crianças, “Flicts”, a história poética de uma cor sem lugar no mundo. Publicou quase 200 títulos, parte dos quais transformou em peças de teatro e filmes, entre os quais estão “O Menino Maluquinho” (1980) e “O Bichinho da Maçã” (1982).