Crescer é inevitável. Que o diga o elenco de “Stranger Things”, uma das séries de maior sucesso da breve história da Netflix. Criada pelos irmãos Duffer, a produção chegou sorrateiramente ao serviço de “streaming” em julho de 2016 e foi a grande sensação da temporada, com direito a indicações e vitórias em premiações importantes como o Emmy e o Globo de Ouro. Durante as gravações dos primeiros episódios, a média de idade de seu elenco infantil era de nove anos. Agora, com todos já chegando aos 15, a série teve um grande dilema para resolver: realizar um “reboot” e ressurgir com novos atores ou seguir o fluxo do tempo e utilizar a maturidade de seu elenco para valorizar a história. Com uma segunda temporada utilizada como rito de passagem, é nos novos episódios que a trama se preocupa em discutir os encontros e desencontros da adolescência, com todas as modificações hormonais e comportamentais do período. Por sorte, “Stranger Things” se sai muito bem ao retratar a juventude dos anos 1980 com os olhos críticos de agora, o que deixa a série muito mais inteligente e instigante.
Na terceira temporada, a produção avança em plena “década perdida” para mostrar que alguns inimigos em comum ainda teimam em aterrorizar a pequena cidade americana de Hawkins, no estado de Indiana. Em 1983, até a cidade se desenvolveu e, nesse contexto, o surgimento de um shopping center em meio aos fenômenos sobrenaturais, faz com que a cultura do consumo seja um importante personagem da temporada. As aventuras dos amigos Mike, Dustin, Will, Lucas, Sadie e Eleven, personagens de Finn Wolfhard, Gaten Matarazzo, Noah Schnapp, Caleb McLaughlin, Sadie Sink e Millie Bobby Brown, respectivamente, saem da floresta e dos piqueniques e ganham a luminosidade dos letreiros de lojas e a companhia dos lanches em plena praça de alimentação. Recuando do contexto romântico que acabou por definir o final do segundo ano da série, “Stranger Things” reapresenta e desenvolve seus protagonistas sob o ponto de vista da individualidade. É sob essa perspectiva de descobertas e da necessidade de uma identidade que Millie Bobby e sua Eleven se destacam ao longo dos episódios. Com uma atuação precisa, mas que também se confunde com o próprio momento da atriz, os olhos e poderes da personagem funcionam como o guia principal dos mistérios da nova temporada.
O suspense, aliás, continua em alta. A trilha sonora recheada de sintetizadores e as inúmeras referências a obras de Steven Spielberg, John Carpenter e Stephen King continuam exercendo grande influência na estética e no enredo de “Stranger Things”, mas a série vai além das inspirações ao se aprofundar em seu próprio terror. Sem recorrer a sustos sem sentido, a história reforçar seu talento para a maratona ao envolver o público a partir de ganchos certeiros e que confundem e entregam o grande segredo da temporada de forma equilibrada. Por fim, a produção é mais uma oportunidade de conferir o talento de Winona Ryder, protagonista adulta da produção que faz uma bela parceria com David Harbour. Uma das atrizes mais promissoras de sua época, Winona foi a queridinha de diretores como Martin Scorcese, Francis Ford Coppola e Tim Burton, mas por questões pessoais, de planejamento de carreira e até policiais, chegou ao final dos anos 1990 esquecida e irrelevante. Sem desperdiçar cenas, a presença de Winona reforça o tom oitentista que a série tanto busca e ao mesmo tempo vai além do puro saudosismo. No fim, todo mundo ganha.