Silvio Andrade
No topo, a 979 metros de altitude, a noite fria era uma explosão estrelar naquela imensidão de tantos mistérios e de beleza cênica.
Depois de longas caminhadas por trechos íngremes e desafiadores, chegar àquele platô foi uma sensação mista de emoção e delírio.
Sentir as energias se recompondo no corpo exausto. Um show cósmico, indescritível. Ou, simplesmente, mágico, como assim define o pantaneiro Diego Viana, um dos apaixonados pelo lugar.
A Serra do Amolar, no coração do Pantanal de Corumbá, é tudo isso e muito mais! Banhada pelo sinuoso Rio Paraguai e seus cursos d’água, foi morada de civilização pós-colonial e dita o ritmo das águas que descem mansamente das cabeceiras, ameaçadas pela soja, para o mar.
Influenciada pela Amazônia e o Chaco, existe um esforço para sua conservação, envolvendo proprietários e organizações ambientais, como o Instituto Homem Pantaneiro (IHP).
Explorar essa morraria mística pelo ecoturismo é uma estratégia conservacionista para perpetuá-la como um bem da humanidade.
Com esse propósito, pesquisadores e amantes da natureza realizaram expedição inédita para redescobrir o paraíso.
A ideia foi ampliar o conhecimento da equipe do IHP e demarcar a trilha da travessia do Amolar, que poderá se tornar um grande atrativo e competir, em nível de obstáculos e belezas, com outras do gênero pelo mundo.
Vai encantar o mundo
Durante cinco dias e quatro noites, sete membros do IHP – Ângelo Rabelo, coordenador; Diego Viana, médico-veterinário; Adriano Kirchiner, guia local; Sergio Barreto, biólogo; Josiel Oliveira, técnico de campo, e o geógrafo e fotógrado André Zumak – mais a gestora ambiental e voluntária Thainan Bornato e o aprendiz de guia Otávio Henrique, caminharam 43 km pela Serra, no sentido Sul-Norte.
A chegada foi na reserva Acurizal, divisa do Estado com Mato Grosso.
Um dos grandes desafios do Mundial de Corridas de Aventuras, realizado no Pantanal em 2015, o trajeto cumprido pelo grupo foi modelado pelo brasileiro Pedro Menezes, um dos organizadores da Rede Nacional de Trilhas de Longo Curso e Conectividade, criada pelo governo brasileiro em 2017, mora atualmente no Equador.
A travessia cruzou parte do corredor ecológico, que compreende 230 mil hectares de reservas e propriedades rurais.
“A Serra do Amolar é uma das paisagens mais bonitas que temos no Brasil”, atesta Menezes, 55 anos.
“Com uma vista esplendorosa do Pantanal, combina com uma trilha de longo percurso e de alta qualidade com visualização da fauna, uma das coisas que mais encanta quem gosta de natureza”, observa.
“Com certeza, tem potencial para ser uma daquelas trilhas que farão as pessoas viajarem de outros cantos do mundo para vir trilhar no Brasil”.
Frio de 5 graus, céu estrelado e gavião raro
Superar os caminhos desconhecidos da morraria foi um desafio de alto grau, à altura das grandes trilhas espalhadas pelo mundo, segundo Diego Viana, 32 anos, descendente de nativos da região.
O grupo saiu da RPPN Novos Dourados, a uma altitude de 132 metros, para alcançar o ponto mais alto, 979 metros, no quarto dia.
Até os 530 metros foi possível encontrar registros de animais, como as fezes de uma onça-pintada: a Serra é seu habitat.
“Depois dos 530 metros, apenas as araras-azuis e outros pássaros nos acompanhavam. Próximo ao cume, foram brindados com a presença de dois gaviões-de-rabo-branco, que estão na lista dos animais ameaçados de extinção”, conta o médico-veterinário, que trabalha na região há cinco anos com felinos.
“A experiência vai complementar nossas pesquisas com a onça-pintada, uma nova visão de como elas usam o lugar e como se movimentam”, disse.
A trilha descortina a bela região, com trechos íngremes e perigosos (rochas soltas).
A chegada ao pico é um dos momentos mais emocionantes, revelando de um lado a infinita planície e de outro a densa floresta chiquitana, na Bolívia. Diego e Thainan não conseguiram conter as lágrimas ao compartilharem as sensações e energias positivas contemplando aquele céu incrivelmente estrelado.
Chegar ao ponto mais alto é a pura adrenalina da aventura.
A expedição pôde aferir a presença de água, essencial para a longa caminhada. Mas não foi possível observar algumas cachoeiras que se avistam ao sobrevoar a Serra, por causa da estiagem.
“Passamos por momentos tensos, um dos objetivos era justamente ver a questão da disponibilidade de água”, conta o fotógrafo André Sumak, 33 anos. O grupo enfrentou um frio de cinco graus e ventos fortes, que danificaram suas barracas. “Não é uma trilha fácil”, diz Sumak.