Sete meses após a criação da campanha que incentivava os pecuaristas de Mato Grosso do Sul a vender apenas à vista, o setor produtivo deixa a posição historicamente submissa às empresas frigoríficas e anuncia a criação de cooperativa de venda direta ao consumidor em Campo Grande. A pretensão é abocanhar 10% do mercado local, o que representa o abate de 20 mil animais por ano, usando frigoríficos e açougues alugados para beneficiar e distribuir o produto. A medida deverá reduzir também o preço da carne para o consumidor. “Nós temos que evoluir, comercializamos da mesma forma há 70 anos”, diz o presidente do Sindicato Rural de Campo Grande, José Lemos Monteiro. Entre as inovações em desenvolvimento estão também a comercialização do gado no mercado físico da bolsa de valores — como é feito com açúcar e arroz, entre outras commodities —, e padronização do preço da arroba de forma à vista e livre do imposto Funrural. “Teremos condição de vender carne de qualidade muito mais barata”, prevê. A cooperativa virtual de produtores, ainda sem nome, deve sair do papel até o fim do ano. O termo “virtual” é usado porque os produtores serão locatários e não donos dos frigoríficos e açougues envolvidos na operação. Inicialmente serão alugados um ou dois açougues e uma unidade frigorífica. A ideia é baseada na Cooperativa Agroindustrial Aliança de Carnes Nobres Vale do Jordão (Cooperaliança), criada na cidade de Guarapuava (PR). Pressão midiática Desde 1960, a inadimplência dos frigoríficos pesa nas costas do setor produtivo. O pecuarista que vendia o gado a prazo para as empresas, acabou por financiá-las. “O setor produtivo sempre foi o mais desorganizado da cadeia da carne. Neste momento vivemos uma mudança no cenário. A venda à vista cresceu em todo o Brasil, e os frigoríficos tiveram de se capitalizar para passar pela mudança no padrão de comercialização”, avalia o analista João Pedro Cuthi Dias, da Sophus Consultoria. A insatisfação cresceu em 2009, depois que o Frigorífico Independência, então maior comprador em MS, anunciou recuperação judicial para não decretar falência. A dívida local com os produtores beirava os R$ 50 milhões e, após idas e vindas judiciais, chegou-se a negociação satisfatória — porém os pagamentos ainda não foram realizados. O cenário mudaria após o susto. Em junho, Federações de Agricultura e Pecuária de MS, Mato Grosso e Goiás criaram a campanha midiática ‘Gado só à Vista” para conscientizar o produtor sobre os riscos da venda a prazo. De acordo com o vicepresidente da Federação da Agricultura e Pecuária de MS (Famasul), que liderou a luta pela venda à vista no Estado, Eduardo Riedel, “a campanha despertou a necessidade no modelo de vender o gado, e as vendas à vista crescerem significativamente, mas é difícil quantificar essa mudança”. Já a federação de Goiás (Faeg) tem esses dados: 65% das negociações são feitas à vista no Estado, segundo pesquisa da instituição. A propaganda próvenda à vista em rádios,TVs e jornais custou R$ 150 mil à Faeg. A Famasul não divulga o investimento na campanha, semelhante às de Goiás e Mato Grosso. Apesar do monitoramento pouco eficaz em MS, que impede a apuração do alcance da campanha, ela colaborou, segundo o setor, para a mudança no comportamento do pecuarista. Uma amostra dos novos tempos no mercado pecuário: a média de preço do boi gordo analisada pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), antes informado a prazo, agora é disponibilizado também à vista. Deságio preocupante Ao comprar à vista, os frigoríficos reduzem o preço dos animais em até 3%. É a norma de qualquer negociação: quem paga na hora tem direito ao desconto. Para Monteiro, o deságio fortalece o caixa do frigorífico em até 24% ao ano, porque barateia a mercadoria. De acordo com Cuthi Dias, esse é o outro lado da moeda. “Essa é a preocupação dos produtores na venda à vista, ainda mais em um mercado concentrado como o nosso, onde duas grandes empresas dominam e reduzem os preços”, analisa.