Projeto de lei (PL) do deputado estadual Marcio Fernandes (MDB) tenta barrar a venda de veículos zero-quilômetro fora das concessionárias. A proposta do parlamentar, que é familiar de donos do Grupo Enzo, que controla a maioria das concessionárias de Campo Grande, tem a intenção de reforçar normas que o Conselho Nacional de Trânsito já permite.
No projeto de Fernandes é estabelecido que somente automóveis que não tiveram nenhum dono serão considerados novos. Ou seja, garagens podem até comprar carros de concessionárias para revenda, mas devem fazê-lo já como seminovos, uma vez que no processo de aquisição são obrigados a se registrarem como os primeiros proprietários.
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
Ao justificar o projeto de lei, Marcio Fernandes disse aos pares que a norma, caso seja provada, ajudará a coibir a ação de empresas que participam de licitações cujos editais são para compra de carros zero-quilômetro.
Quando alguma dessas companhias vence, ela compra os carros fora do Estado, onde muitas vezes os impostos são mais baratos, registra em seu nome e depois transfere ao poder público. Na prática, é um carro zero-quilômetro, mas o projeto de Fernandes tem o intuito de barrar essa prática e fará com que o carro, mesmo sem quilometragem, seja considerado um seminovo.
Além disso, segundo Fernandes, essas empresas muitas vezes são cadastradas como pequenos negócios e maquiam o faturamento para se manterem como microempreendedores individuais (MEIs) e pagar carga tributária menor.
Contudo, o Correio do
Estado questionou a assessoria do deputado para saber se a ideia de apresentar o projeto veio de alguma denúncia ou de caso concreto em Mato Grosso do Sul, mas a resposta recebida foi que o PL serve apenas para regulamentar leis federais já existentes.
De certo modo, a norma tornaria mais difícil a aquisição de veículos adaptados, como motos e ambulâncias, porque nesses casos as montadoras só fornecem os veículos e os furgões, e a transformação fica a cargo de empresas especializadas, que os adquirem e fazem as melhorias.
Contudo, os editais pedem viaturas zero-quilômetro. Esse caso, em tese, violaria a norma. Ao ser questionada a respeito, a equipe do deputado disse que as transformadoras podem atuar nesse segmento desde que sejam cadastradas para tal.
MAIS DO PROJETO
Só podem ser registrados no Detran-MS e emplacados veículos novos cuja nota fiscal tenha sido emitida por uma concessionária autorizada, seja aqui no Estado, seja em outro lugar.
Isso quer dizer que um cidadão pode ir até São Paulo, por exemplo, adquirir seu carro novo e emplacá-lo em Mato Grosso do Sul, desde que a nota fiscal de compra esteja em nome dele. A lei não afeta o trabalho de garagistas que trabalham com seminovos, desde que informem devidamente os clientes.
É LEGAL?
Para o advogado constitucionalista Sandro Oliveira, o Estado tem sua economia fundamentada na livre iniciativa, que contém, por outro lado, uma série de mecanismos de contenção de abusos contra o consumidor e mesmo contra a administração pública.
“O PL que tramita na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul à primeira vista poderia estar em conflito com o princípio da livre concorrência, mas isso seria possível afirmar se estivéssemos falando de venda ao consumidor final sul-mato-grossense, e não à administração pública”, disse ao Correio do Estado.
Segundo o advogado, a Constituição reconhece a necessidade de tratamento diferenciado para empresas de pequeno porte, desde que “constituídas sob as leis brasileiras”.
“A Lei 6.729/79 precisa ser lida com cuidado, pois não me parece compatível com a Carta de 1988 limitar a venda de veículos novos apenas às redes concessionárias quando falamos em venda ao consumidor final que não seja a administração pública”, explica.
A justificativa do PL, conforme Oliveira, não tratou de afirmar a competência legislativa estadual, apenas disse que a propositura “visa regular e garantir a aplicação da lei federal”. “Com o devido respeito, não é a melhor técnica, pois é necessário deixar claro a competência legislativa estadual sobre a matéria”, pontua.
Oliveira tem dúvidas sobre a competência legislativa do Estado sobre a matéria, mas afirma que “seria necessário mais tempo para uma análise mais adequada, mas a ausência na justificativa da afirmação da competência pode ser um indicativo de que também há incerteza por parte do autor do PL sobre a competência estadual”.
O projeto foi apresentado no dia 18 de fevereiro e está tramitando na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR), sob a relatoria do deputado estadual Professor Rinaldo (PSDB).