Sílvio Andrade, Corumbá
Um dos principais eixos de integração e corredor da América Latina, a Hidrovia do Paraguai é um exemplo da visão rodoviarista do País ao priorizar seu sistema de transportes, que incide no custo Brasil e reflete na balança comercial. As vias interiores foram incluídas no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), mas os recursos (R$ 734 milhões) representam 1,5% do previsto para o setor.
Do valor anunciado, a via que corta o Pantanal de Cáceres (MT) a Porto Murtinho – são 1.270 km em águas brasileiras – terá apenas R$ 126 milhões para os próximos quatro anos. Dinheiro para tornar o Rio Paraguai navegável o ano todo com dragagens, sinalização e retificação de canal, sem investimentos em novos terminais portuários, obras impedidas por ação judicial que tramita desde 2000.
O abandono do transporte fluvial, de menor custo em relação a outros modais, não afeta apenas a Hidrovia do Paraguai. O setor representa 14% da matriz de transporte no País, controlado pelo lobby rodoviário, que detém 62%. Um plano nacional de logística tem como meta elevar a participação das hidrovias para 29% em 2025. Uma mudança muito lenta para quem precisa ganhar mercado lá fora.
Via natural explorada já na década de 1.500 por desbravadores, a Hidrovia do Paraguai é combatida sistematicamente por organizações ambientalistas acusadas de favorecer interesses comerciais norte-americanos. O que justifica a campanha difundida na mídia nos anos 90 do século passado, quando se falava em desertificação do Pantanal por conta de projetos de engenharia já descartados pelo governo brasileiro.
Gargalos
Propostas de incrementar o modal fluvial ainda são vistas como um risco ambiental, o que dificulta ainda mais os investimentos públicos e privados. A hidrovia já escoou 4,6 milhões/ano de toneladas no lado brasileiro e tem capacidade para triplicar esse volume, contudo os gargalos, dentre a falta de prioridade e as amarras aduaneiras internacionais, atrasam o aproveitamento do importante corredor.
A hidrovia tem as vantagens econômicas e ambientais necessárias para movimentar boa parte dos cerca de 19 milhões de toneladas de soja que sai todos os anos de Mato Grosso para a exportação por rodovias, percorrendo até 2,5 mil km ao porto de Santos (SP). Também é estratégica para escoar a produção (grãos e minério) de Mato Grosso do Sul concentrada no centro-sul e oeste, regiões interligadas por ferrovias sucateadas.
No entanto, hoje os comboios descem o rio em direção ao Atlântico apenas com minério bruto para os mercados argentino e asiático. Não há cargas de soja em Cáceres, de onde já se transportou 300 mil toneladas/ano. O escoamento cessou com a decisão do governo da Bolívia de proibir importação do grão enquanto houver oferta interna. O terminal de Porto Murtinho carrega açúcar, mas em pequena escala.
Novo cenário
Sem operação plena e desembaraços aduaneiros, porém, o baixo frete nem sempre compensa, alega o operador Michel Chaim. “A falta de investimentos implica credibilidade da via, por parte dos operadores e do próprio mercado”, diz Antônio Paulo de Barros Leite, superintendente da Ahipar (Administração da Hidrovia do Paraguai). “Mas o governo, com o PAC, está dando resposta à sua potencialização tão reclamada”.
A expectativa é de que, em 2014, a hidrovia transporte 25 milhões de toneladas. Em 2010 não deve passar dos 4 milhões de toneladas, grande parte de minério, cuja produção é estimada em 6,5 milhões de toneladas. Em quatro anos, a Vale quer chegar aos 15 milhões de toneladas, período em que a Bolívia também estará exportando a matéria-prima de Mutum, reserva situada na fronteira com Corumbá.