O comércio exterior brasileiro tem o potencial de passar por Mato Grosso do Sul e se conectar para a exportação ao mercado asiático, por meio dos trilhos do trem e da rodovia. Porém, a proposta de uma rota bioceânica ferroviária está ainda engatinhando, presa em etapas burocráticas há dois anos.
Estudos divulgados em 2022 apontaram que o custo para implementar esse modal ferroviário a partir de Corumbá até o Chile (Antofagasta e Iquique) ficaria até três vezes menor do que a rota rodoviária, US$ 83 milhões contra cerca de US$ 30 milhões. Porém, a operacionalização da Malha Oeste esbarrou nas políticas brasileiras e também respingou no entrave argentino para avançar.
Esses valores foram divulgados em 2022, quando seminários realizados no Brasil e na Argentina avaliaram a viabilidade da conexão. Na época, foi levada em consideração a necessidade de construção de duas pontes na Argentina para haver o trajeto ferroviário completo a partir de Corumbá, passando por Bolívia, via Yacuiba.
Já a rodovia depende da construção de ponte entre Porto Murtinho e Carmelo Peralta, além de construção de vias no Paraguai (275 km). O governo paraguaio teve maior envolvimento para garantir as obras.
As mercadorias a serem exportadas nesse modal podem envolver celulose, vergalhões de aço, grãos e produtos manufaturados e a importação teria cobre, fertilizantes, sal, sulfato de cálcio, uréia, feijão, zinco, lítio, vinhos, entre outros.
A ferrovia e sua viabilização para o comércio exterior de Chile, Argentina, Bolívia e Brasil com a Ásia por meio do Mercosul voltaram a ganhar holofotes em 2021.
Essas discussões envolveram a prefeitura de Corumbá, o governo de Mato Grosso do Sul, o Itamaraty e autoridades bolivianas e argentinas nos dois anos seguintes, mas ficou parada com duas obras que não destravaram: o aprimoramento do ramal em Mato Grosso do Sul até Corumbá e a construção de pontes em um trecho de 80 km na região de norte da Argentina.
Detalhe: essas obras não dependem exatamente uma da outra para viabilizar totalmente a ferrovia. Desde que no Brasil houvesse a ferrovia adequada, o modal conseguiria ser utilizado no território brasileiro, entraria na Bolívia e só precisaria ser remanejado por cerca de 80 km na Argentina, por conta da falta de pontes. Exceto esse trecho argentino sem trilhos, todo o resto do ramal no país portenho está em funcionamento e conectado com portos do Chile.
CORREDOR
A Rota Bioceânica ferroviária recebeu grande incentivo a partir de 2017, com debate iniciado pela Bolívia, no governo de Evo Morales.
Em 2021, o tema voltou a ser debatido a partir da assinatura de um acordo de cooperação comercial envolvendo o município de Corumbá, o governo boliviano e as câmaras comerciais de San Salvador de Jujuy, Salta e San Miguél de Tucumán (da Argentina).
O Ministério das Relações Exteriores envolveu-se no debate a partir do ministro de carreira diplomática João Carlos Parkinson.
Os interesses econômicos em alta não acompanharam a burocracia e a morosidade para viabilizar a infraestrutura. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) só aprovou relatório para relicitação da concessão da Malha Oeste em 19 de dezembro de 2024.
A audiência pública que tratou do assunto ocorreu entre 10 de abril e 25 de maio de 2023. Depois que houve essa aprovação, a etapa burocrática seguinte envolveu a proposição da ANTT ao Ministério dos Transportes sobre o novo plano de outorga para a concessão.
Foram recebidas 114 manifestações, incluindo contribuições orais e escritas, abordando temas como bitola ferroviária, segurança operacional e direito de passagem.
As sessões ocorreram em Campo Grande e em Brasília (DF). De acordo com a ANTT, a necessidade de transparência no processo de relicitação vem exigindo diferentes medidas.
“Essa decisão reflete o compromisso da Agência com a transparência e a eficiência na regulação de um setor vital para o desenvolvimento econômico do País. A Malha Oeste é essencial para integrar regiões e fortalecer a logística nacional”, opinou o diretor da ANTT e relator do processo, Lucas Asfor.
IMPORTÂNCIA
O governo federal, em comunicado divulgado pela ANTT em dezembro do ano passado, informou que reconhece a importância de investimento na malha ferroviária, por meio do Sistema Ferroviária Federal (SFF).
A proposta é realizar a conexão das malhas Paulista, Sul e Centro-Leste, ainda permitindo o acesso à ferrovia boliviana, que segue em operação normal para cargas. O escoamento de cargas previsto é principalmente de grãos e minérios.
A Malha Oeste, que corta Mato Grosso do Sul e vai até a fronteira com a Bolívia a partir de Corumbá, foi inaugurada em 1905 como Ferrovia Noroeste do Brasil.
Por cerca de 90 anos, ela desempenhou papel estratégico no desenvolvimento cafeeiro paulista e na integração territorial do Estado até perder força e ficar praticamente desativada depois dos anos 2015.
Esse modal foi incorporado à Rede Ferroviária Federal em 1957, concedida à iniciativa privada em 1996 e desde 2015 é operada pela Rumo Logística (Rumo Malha Oeste).
Ela tem a extensão total de 1.625,30 km, estendendo-se de Mairinque (SP) a Corumbá. Quando houve a privatização, havia o ideal de modernizar a infraestrutura ferroviária, o que não foi efetivado ao longo de mais de 20 anos.
Conforme apurado, a Rumo Logística, que segue na administração do trecho, passou neste ano a promover uma mudança de política interna. Entre as medidas que sinalizam essa situação está o levantamento socioambiental da presença da empresa em Corumbá. Neste mês, a empresa designou uma equipe para elaborar relatório que vai ajudar no direcionamento de ações.
Na Argentina, desde que foram iniciadas as discussões sobre o modal, em 2021, ocorreram crises políticas. Além disso, o governo de Javier Milei prevê a privatização da ferrovia General Belgrano e em outubro do ano passado houve o anúncio do início desse processo.
“A empresa opera 7.600 km de vias que agora serão privatizadas, mantendo os trilhos e as terras como propriedade do Estado Nacional. O processo de privatização será liderado por Diego Chaher, titular da Agência de Transformação de Empresas Públicas (Agencia de Transformación de Empresas Públicas), ligada ao Ministério de Economia”, informou nota oficial.