A região de fronteira entre Brasil e Bolívia tem previsão de movimentar em torno de US$ 100 milhões entre os meses de outubro e dezembro. Esse comércio, porém, está seriamente afetado com a redução drástica da calha de navegação do sistema de Hidrovia Paraguai-Paraná.
No Brasil, a situação já estava definida, e a hidrovia praticamente tinha paralisado. Na Bolívia, ainda havia navegação, o que deixou de ser feito a partir de setembro.
Os impactos dessa realidade passaram a ser sentidos entre Puerto Quijarro e Corumbá, distante pouco mais de 420 km de Campo Grande.
Desde o começo desta semana, um congestionamento de carretas começou a se formar e nesta quinta-feira veículos chegaram a esperar mais de 24 horas para conseguirem atravessar a fronteira. A fila alcançou pelo menos 1,5 km.
Na região, o transporte feito envolve o carregamento de soja, ureia, couro, carne, combustível entre outros produtos que deixarão de ser levados.
Conforme empresas que atuam diretamente na exportação dessas cargas, nesses três meses para fechar 2021, o volume transportado deveria chegar a US$ 100 milhões, porém não será possível, porque o nível de água no canal Tamengo, que fica entre Corumbá e Puerto Quijarro, está entre 1,5 m e 2 m, o que inviabiliza a navegação de embarcações.
Nessa região, a principal empresa que atua no setor é a Puerto Jennefer, que é o maior porto privado da Bolívia e fica em Quijarro. A Hidrovia Paraguai-Paraná (HPP) é uma das principais vias para o comércio exterior da Bolívia realizar a exportação via Oceano Atlântico.
A situação de estiagem do canal Tamengo está crítica, e a previsão de autoridades bolivianas é que somente a partir de janeiro de 2022 haverá melhora do nível de navegação, permitindo a volta de circulação de embarcações.
A Câmara Nacional de Indústrias Oleaginosas de Bolívia (Caniob) divulgou na terça-feira que a histórica seca no canal da Hidrovia Paraguai-Paraná impossibilitou a realização de exportação de uma grande quantidade de produtos. A paralisação das operações começou em setembro e neste mês atingiu definitivamente o transporte hidroviário em Puerto Quijarro.
Para dar a dimensão da movimentação comercial que está sendo impactada por conta da falta de navegabilidade no rio Paraguai e seus canais de acesso, a Caniob informou que em 2019 movimentou 970 mil toneladas de produtos, equivalente ao valor de US$ 320 milhões na balança comercial boliviana.
DEMANDA
Como a demanda comercial continua aquecendo, os exportadores bolivianos decidiram direcionar todo o escoamento por meio rodoviário, mesmo calculando que os fretes devem ficar até 20% mais caros.
Esse aumento de caminhões vindo para Mato Grosso do Sul, via Corumbá, chegou a uma condição insustentável nesta quinta-feira com a formação de congestionamento.
A Receita Federal em Corumbá estima que o movimento nesta semana triplicou em termos de tráfego de caminhões carregados e vazios. A média diária de veículos com carga na fronteira, a partir do Posto Esdras, é de 700 caminhões nos dois sentidos.
Atualmente, são cerca de 2,1 mil caminhoneiros que demandam serviços aduaneiros tanto na Bolívia como no Brasil, em que a capacidade de atendimento em ambos os países segue com o mesmo número de servidores e estrutura.
“O movimento do comércio exterior aumentou e existe a baixa do nível do rio. Os empresários não querem perder negócio e oportunidades, e agora o meio que está sendo utilizado é o modal rodoviário. Toda a carga que ia pelo modal hidroviário agora está no rodoviário. Estamos sensíveis à situação e realizamos alguns ajustes para tentar resolver”, explica o delegado alfandegário da Receita Federal do Brasil em Corumbá, Erivelto Moyses Torrico Alencar.
O que não será possível alterar por enquanto é a condição física da fronteira. No Posto Esdras existem quatro áreas de tráfego de veículos para absorver esse volume de caminhões. Em dias normais, duas faixas são usadas para carros de passeio e utilitários, cada uma para um sentido.
Uma terceira é aberta para os caminhões. Do lado boliviano, a área física é menor que a brasileira, com apenas três faixas de tráfego.
Como a condição de uso da hidrovia está atribuída principalmente a fatores difíceis de se controlar, empresários bolivianos ainda avaliam alternativas, enquanto no Brasil medidas alfandegárias estão sendo implantadas para tentar agilizar processos aduaneiros.
A empresa Bionave Navegação S.A avalia implantar embarcações infláveis, com calado baixo, para tentar superar o nível baixo do Rio Paraguai e do canal Tamengo. A Bionave está ligada ao Puerto Cáceres, em Mato Grosso.
Esse tipo de tecnologia tem capacidade inferior ao tradicional. Enquanto as “chatas” comuns carregam entre 30 mil e 40 mil toneladas, os modelos mais modernos transportam entre 3 mil a 4 mil toneladas.
Por outro lado, existem discussões sobre a necessidade da ferrovia estar mais bem preparada para absorver essa demanda de carga. Na Bolívia, a Ferroviaria Oriental S.A já possui trajeto completo que liga o norte da Argentina a Corumbá. Do lado brasileiro, a Malha Oeste está em condição precária e sem condições de realizar transporte de cargas.
SELETIVA
Entre as medidas implantadas para tentar dar celeridade para o tráfego de caminhões do lado brasileiro na fronteira com a Bolívia, a Receita Federal passará a escanear caminhões com carga e vazios de forma seletiva. Antes, praticamente todos os veículos passavam pelo monitoramento de segurança.
Esse recurso tecnológico acaba gerando uma certa demora para o trânsito de caminhões e o procedimento acabou revisto para adequação na situação de emergência.
“Fizemos algumas gestões. Antes, nós escaneávamos todos os veículos que entravam no País. Agora que triplicou o volume, teremos de fazer por amostragem. Vamos continuar prezando pela segurança e a fiscalização na região fronteiriça”, reconhece o delegado alfandegário da Receita Federal do Brasil em Corumbá.
Esse congestionamento também impacta no outro transporte diário que acontece na situação fronteiriça. Diariamente há moradores de ambas as cidades que transitam para vender produtos, principalmente alimentícios, além de acessarem serviços de saúde e mesmo visitar o comércio brasileiro, além de bares.
A Associação Comercial e Empresarial de Corumbá estima que até 50% do movimento de lojas no centro da cidade são gerados por clientes bolivianos.