STJD arquivou o caso por entender que não houve indício de proveito econômico do atleta
O relatório que deu origem à operação deflagrada nesta terça-feira (5) contra o atacante Bruno Henrique, do Flamengo, aponta lucros totais de R$ 13.050 em apostas de três casas diferentes para que o jogador tomasse um cartão amarelo em partida contra o Santos pelo Campeonato Brasileiro do ano passado.
A informação consta um relatório da Ibia (International Betting Integrity Association), contratada pela Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), que repassou a denúncia somente em 29 de julho de 2024 à CBF (Confederação Brasileira de Futebol). O jogo ocorreu em 1º de novembro de 2023, nove meses antes.
De acordo com esse relatório, um operador teve aproximadamente R$ 6,1 mil de lucro na Betano, outro teve R$ 4,7 mil de lucro na GaleraBet e um terceiro lucrou R$ 3.050 na KTO. O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), que analisou e arquivou o caso, considerou os valores "ínfimos" quando comparados ao salário do atleta.
O relatório diz que "os apostadores envolvidos, nas três operadoras de apostas, eram uma combinação de contas recém-registradas (aparentemente para apostar neste resultado) e clientes estabelecidos que aumentaram suas apostas significativamente para apostar neste resultado".
A necessidade de usar mais de uma conta para obter lucro considerável se explica por um limite imposto pelas próprias "bets", como são chamadas as casas de aposta online, para apostas do tipo.
A Betano, por exemplo, aceita uma aposta máxima de R$ 631 para um cartão amarelo de Jonathan Calleri pelo São Paulo em jogo nesta terça (5), contra o Bahia. Ele tem uma média de cartões (seis em 25 jogos) semelhante à que tinha Bruno Henrique quando das apostas (cinco em 23 jogos).
Para conseguir apostar R$ 3.000, seria necessário, usando esse exemplo, utilizar cinco contas diferentes.
Em abril, a CBF havia dito à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas do Senado que, de 15 jogos suspeitos organizados pela entidade em 2023, nenhum deles teve lugar no Campeonato Brasileiro da Série A.
A informação repassada aos senadores estava baseada em um relatório da Sportradar, empresa contratada pela CBF para fazer o monitoramento de apostas suspeitas. Esse relatório apontou suspeita em 109 jogos do futebol brasileiro em 2023, a maioria deles de divisões inferiores de campeonatos estaduais e partidas de categorias de base.
O alerta só veio em relatório da Ibia para a Conmebol, que identificou volume atípico de apostas para que Bruno Henrique tomasse cartão amarelo contra o Santos em duelo realizado em Brasília, no Mané Garrincha.
A Polícia Federal, no entanto, disse ao divulgar a operação que o material tem origem em relatórios da Ibia e da Sportradar.
"A investigação teve início a partir de comunicação feita pela Unidade de Integridade da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). De acordo com relatórios da International Betting Integrity Association (Ibia) e da Sportradar, que fazem análise de risco, haveria suspeitas de manipulação do mercado de cartões na partida do Campeonato Brasileiro", afirmou a PF.
Nos acréscimos do jogo, Bruno Henrique recebeu um cartão amarelo por falta forte sobre Soteldo, ofendeu o árbitro Rodrigo Klein e levou em seguida o vermelho direto. Como já estava pendurado em cartões amarelos, o flamenguista precisou cumprir suspensão nas duas partidas seguintes, contra Fortaleza e Palmeiras.
O relatório da Ibia foi encaminhado pela CBF à procuradoria do STJD, que arquivou o caso após questionar a Sportradar e a empresa contratada pela CBF informar que, pelo seu levantamento, não havia identificado irregularidades. A empresa disse ainda que faria nova varredura e, encontrando suspeitas, informaria o STJD, o que não aconteceu.
Em nota à imprensa, o STJD afirmou que "a Procuradoria constatou que os fatos observados se coadunam com a realidade razoável da prática do futebol" e que o alerta "não apontou nenhum indício de proveito econômico do atleta, uma vez que os eventuais lucros das apostas reportados no alerta seriam ínfimos, quando comparados ao salário mensal do jogador". Ao tribunal não cabe investigar se há relação pessoal entre Bruno Henrique e os apostadores.
Como o jogo ocorreu em Brasília, a CBF informou também o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que também investigou o caso e, nesta terça, em conjunto com Polícia Federal, deflagrou a Operação Spot-fixing. Foram cumpridos 12 mandados de busca e apreensão em endereços ligados a Bruno Henrique no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em outras cidades mineiras, onde residem seus familiares.
De acordo com o Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado) da Promotoria do DF, os dados obtidos no decorrer das investigações junto às casas de apostas apontaram que as apostas atípicas teriam sido efetuadas por parentes do jogador e por outro grupo ainda sob apuração.
"Trata-se, em tese, de crime contra a incerteza do resultado esportivo, que encontra a conduta tipificada na Lei Geral do Esporte, com pena de dois a seis anos de reclusão", informou o MPDFT.
Procurada pela reportagem, a assessoria de Bruno Henrique informou que não vai emitir nenhum pronunciamento.
Em comunicado nas redes sociais, o Flamengo afirmou que, "ao mesmo tempo em que apoiará as autoridades, dará total suporte ao atleta Bruno Henrique, que desfruta da nossa confiança e, como qualquer pessoa, goza de presunção de inocência". O clube disse que não teve acesso aos autos.
A Sportradar não comentou o caso. Procuradas, a Betano e a GaleraBet não responderam. A reportagem não conseguiu contato com a KTO.
*Informações da Folhapress