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Crônica Recordando XXVI Recordando XXVI 9 FEV 2010 • POR • 00h32

Dentre os inúmeros homens que marcaram presença em nosso Estado, principalmente por sua postura de honorabilidade, há de se destacar o doutor Luiz Alexandre de Oliveira. Ele tinha tudo para não dar certo, negro, filho de uma lavadeira em Aquidauna, totalmente cego de um olho e com 20% de visão no outro, numa época em que era grande o preconceito, principalmente com a cor, nunca se deixou abater, mesmo quando criança onde, na escola certamente sofria muita humilhação. Pois bem, fez o seu curso primário com notas acima da média, mudou-se para o Rio, mesmo com parcos recursos, arrumou um emprego que lhe custeava o curso superior tendo enfim se formado em advocacia. Tive o privilégio de tê-lo como amigo, e como era seu grande admirador, convidava-o para almoçar em minha casa diversas vezes, ocasião em que meus filhos recebiam verdadeiras aulas de sua eclética cultura. Como era um leitor obsessivo, sendo sua biblioteca uma das melhores de Campo Grande, eu me quedava a imaginar onde ele achava essa força espetacular de ler com tanta dificuldade e de ler tudo que lhe aparecesse pela frente. Pertencia ao Rotary Clube, e quando fazia suas palestras encantava a todos, era um verdadeiro sábio falando. Certa vez, era muito comentado o que a Alemanha nazista fizera com o povo judeu e ele foi solicitado pela presidência a proferir uma palestra sobre o assunto. Nunca li ou ouvi, arrazoado mais eloquente sobre um assunto difícil como esse. Lembro que, temendo ser prolixo, foi encorajado por todos nós a falar sem se preocupar com o relógio e naquela hora aprendi mais sobre o povo judeu do que tudo que havia lido sobre o assunto. Era um político apaixonado, filiado a UDN e, encorajado pelos inúmeros amigos e admiradores, candidatou-se a deputado estadual, tendo sido eleito com folgada margem. Fazia discursos arrebatadores, inteligentes e cheios de malícia, que fustigava os adversários, mas sempre com a elegância que o caracterizava, donde recebia o respeito também de adversários políticos. Era dono de razoável patrimônio, podendose dizê-lo rico, tanto que comprou o respeitável colégio Osvaldo Cruz, que foi seu até sua morte. E falando em sua morte, deixou todo o seu patrimônio para sociedades beneficentes e a casa onde viveu seus últimos dias, ali na Rua Rui Barbosa, ele doou à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, de que fazia parte como um dos principais associados, casa que me orgulho em também pertencer. Dentre muitas histórias bem-humoradas que se contam dele, eu lembro bem de uma que era realmente hilária: em seus discursos em praça pública, eu mesmo ouvi, gritava em sua peroração “não votem em branco, vote em preto, vote em mim...” Terminando sempre dando uma gostosa gargalhada. Era assim nosso gênio, vencia o que aos outros pudesse ser um defeito, com fino humor e fazendo daquilo uma qualidade, sem dúvida. Para ler, ele tinha que levar o livro ou o jornal para bem perto da vista, movendo-o com dificuldade, desde que sua visão não acompanhava a grafia e mesmo assim, lendo muito mais do que aqueles de ótima visão, o que mostrava como sabia vencer as dificuldade que a vida lhe dera. Todos sabemos que o gênio de nossas letras, Machado de Assis, era preto, gago e epilético e mesmo assim tornou-se o imortal – literalmente – presidente da Academia Brasileira de Letras. É claro que não tento fazer comparações, até mesmo porque Machado é incomparável, mas não seria o nosso Luiz Alexandre um êmulo dele?