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BATALHA DA MULTIPLICAÇÃO 'Milagre' faz pessoas conseguirem viver apenas com o salário mínimo 'Milagre' faz pessoas conseguirem viver apenas com o salário mínimo 4 SET 2011 • POR ADRIANA MOLINA E OSVALDO JÚNIOR • 16h50

A auxiliar de expedição Marilene Garais, 34 anos, consegue fazer o que considera "milagre" todos os meses: sustenta uma família de quatro pessoas com apenas um salário mínimo – R$ 545. São dois filhos e um neto. "A gente aperta os cintos, deixamos para pagar uma ou outra conta no próximo mês ou adiamos a roupa nova, o sapato novo das crianças – damos um jeito. O importante é que o essencial, o alimento, não falte – e esse nunca falta, graças a Deus", relata.

E assim como ela, vivem 90.684 mil famílias de Mato Grosso do Sul – 11,19% das 810.315 constituídas no Estado, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2009), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E cerca de 80,4% dos lares que têm como renda um salário mínimo ou menos, estão na zona urbana. São 72.915 famílias.

O cenário ainda retrata o grande índice de informalidade entre os que recebem o mínimo. Dados, da Relação Anual de Informações Sociais (Rais 2010), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apontam que poucos são os que estão nessa situação com carteira assinada, apenas 24.788 trabalhadores em todo o Estado.

O volume é negativo mas também, ao mesmo tempo, analisando-se por outro ângulo, é positivo, já que nos últimos 10 anos, houve crescimento de 121,79% no número de formalizações de pessoas que recebem um mínimo em Mato Grosso do Sul. Em 2000, eram apenas 11.176 trabalhadores recebendo mínimo, com registro em carteira.

Segundo o economista Sérgio Bastos, apesar do crescimento no volume de registros, a informalidade ainda é o principal item no perfil das famílias com essa renda. Isso porque, o mercado tem ficado cada vez mais competitivo, rigoroso na contratação de trabalhadores – o que deixa para trás os que têm baixa escolaridade, e que, na maioria dos casos, não tiveram oportunidade de estudar.

"Por conta disso, grande parte é obrigada a viver de ‘bicos’. São geralmente prestadores de serviços, como eletricista, encanador, diarista – que somando-se os trabalhos, conseguem rendimento mensal de um salário mínimo, às vezes menos", explica o economista.  

''Roupas e móveis, só ganhando"

Quando a renda não é suficiente, a saída é buscar outras alternativas para atender às necessidades básicas. "Roupas e móveis só ganhando", afirma Cláudia de Almeida Silva, 22 anos. Ela reside com o marido e dois filhos, de dois e sete anos, no bairro Cidade de Deus, um dos lugares mais pobres de Campo Grande.

O marido de Cláudia trabalha em um açougue e recebe um salário mínimo. O percurso ao trabalho é feito de bicicleta, o que representa economia em um dos grupos que mais encarecem na Capital, o do transportes. Mas as demais despesas são acentuadas.

Cláudia conta que a filha de dois anos sofre de infecção no pulmão e precisa todo mês de remédio controlado no valor de R$ 70. De fralda, a menina consome cerca de R$ 48. "São dois pacotões de R$ 12 por semana", diz Cláudia. A menina e seu irmão, de sete anos, também geram outros gastos com alimentação, sobretudo, com leite. "Nós compramos leite de caixinha. É uma caixa de 12 litros por mês ou até mais. Por semana, vai três litros", afirma. Segundo Cláudia, a caixa sai por cerca de R$ 22.

Além das despesas com as crianças, há as dos adultos. Só de alimentação, são R$ 180. É o valor do sacolão. "Quando ele [o marido] recebe já compra o sacolão no caminho. Às vezes, ele paga em duas vezes", diz.

Para Cláudia, o mais difícil do orçamento apertado é a impossibilidade de atender aos desejos dos filhos. "O mais velho entende, mas a pequeninha fala, às vezes, que quer iogurte e a gente não tem dinheiro. Aí eu faço mamadeira e ela vai esquecendo aos poucos", conta. "Mas há muitas pessoas que vêm aqui e dão coisas pra gente. Pão, comida sempre tem", completa.

 Ajuda das filhas

Helena Carvalho de Oliveira, 52 anos, também precisa da ajuda de outros para cobrir parte das necessidades básicas. "Minhas filhas ajudam a gente. Sempre me dão roupas", contou. As duas filhas de Helena são casadas e também vivem com renda de um salário.

Na casa, só moram Helena e o marido, servente de pedreiro. Ela afirma que o rendimento do marido por mês é de cerca de R$ 500. "É que nem sempre ele consegue trabalho".

O que mais pesa no orçamento de Helena é o aluguel de R$ 200 da casa onde mora, situada no bairro Parque do Sol, periferia de Campo Grande. De conta de luz, ela paga cerca de R$ 40. A fatura da água chega a R$ 100, em razão de parcelamento para quitar os atrasados deixados pelo antigo morador.

Gasto com saúde também incide acentuadamente no orçamento de Helena. "Eu sou hipertensa e gasto todo mês R$ 60 com remédio manipulado".

Ela gostaria, segundo conta, de juntar dinheiro para trabalhar com espetinho. "Mas não sobra", lamenta-se. O problema da saúde não impede que Helena faça vez e outra alguma faxina. "Mas não posso trabalhar muito, porque meu pé incha e dói". Além do projeto do carrinho de espetinho, Helena traça planos mais simples. "Queria que desse pra poder comprar minhas coisinhas, um armarinho... Mas nunca dá", reclama.