Quando trabalhava como secretário de Saúde de Campo Grande, Luiz Henrique Mandetta se deparou com usuários de droga pedindo para receber tratamento para deixar o vício. No entanto, em várias situações, não teve como atendê-los, pois não há locais para internação permanente de dependentes químicos em Mato Grosso do Sul. A alternativa foi encaminhá-los para o Hospital Regional, onde podem permanecer por no máximo 15 dias, e depois para acompanhamento pela Caps. Como deputado federal, passou a integrar a Comissão Especial de Combate às Drogas e tenta mudar essa realidade, que acontece em todo o País.
No entanto, a tarefa não é nada fácil. A comissão definiu cinco eixos prioritários – os quais são detalhados na entrevista abaixo – incluindo mudanças na legislação, políticas educacionais e até melhorias na rede para tratamento de dependentes químico.
Durante a entrevista concedida ao Correio do Estado, o deputado federal fala dos diversos prejuízos causados pelo crack e alerta que a droga invadiu as classes sociais mais baixas, o que evidencia a necessidade tratamento gratuito para os dependentes. Não há mais municípios hoje que não contam com cracolândia. Para tentar minimizar os problemas, uma das alternativas é formalizar parceria de combate ao tráfico com os países vizinhos produtores da cocaína e até a criação da Améripol, para desenvolver ações de inteligência na luta contra as drogas.
Como surgiu a proposta para implantação da Comissão Especial de Combate às Drogas?
Cada deputado quando começa o mandato ocupa duas comissões. Eu escolhi a de Seguridade Social, que trata de saúde e políticas sociais, e a de Relações Exteriores e Defesa Nacional, por causa da situação precária das nossas fronteiras. Quando começamos, apresentei proposições relacionadas à problemática das drogas, assim como outros deputados trataram do mesmo assunto em outras comissões. Neste caso, a Câmara une todas essas propostas para que sejam analisadas por uma comissão especial, que foi quando criamos a para o enfrentamento das drogas. A comissão trabalha com cinco eixos: legislação, prevenção, atenção, repressão e sistema carcerário.
Na prática, quais são as propostas que a comissão já está discutindo?
No eixo da legislação temos questões como a internação compulsória – que ainda é tabu – propostas para mudar a lei com objetivo de agravar o crime de tráfico de drogas e para aumentar a pena do adulto que utilizar o menor de idade para o tráfico. Na parte de prevenção, a comissão incluiu políticas dentro das escolas, como colocar a discussão sobre as drogas na grade curricular e até mesmo dispor de um capítulo nos livros didáticos distribuidos pelo Ministério da Educação (MEC) de acordo com cada série e para os universitários. Há ainda propostas para campanhas publicitárias e capacitação de agentes de saúde para tratar do tema. No eixo de atenção, tratamos do fato de o SUS (Sistema Único de Saúde) não contemplar a internação prolongada do dependente químico. Hoje você só tem a rede Caps (Centro de Atendimento Psicossocial), onde o índice de adesão é muito baixo e a recidiva altíssima. Temos apenas o trabalho das comunidades terapêuticas, ligadas a igrejas e ONGs, que não são credenciadas ao SUS. Elas têm resistência do pessoal que coordena a saúde mental no Ministério da Saúde, pois eles entendem que a internação prolongada está na contramão da reforma manicomial. Inclusive, há uma portaria da Anvisa que torna esse trabalho extremamente complexo, pois as comunidades não têm condições de cumprir todas as regras. A gente refez a portaria, implantando a internação para a fase aguda, de abstinência, e depois a prolongada, que pode durar de 4 a 6 meses. Estamos finalizando a redação, mas o valor de cada leito pode chegar a de R$ 850 por mês.
Em Mato Grosso do Sul, temos algumas unidades que atendem aos dependentes, como a Recomeçando, em Jaraguari. Elas não fornecem essa internação como deveria?
Com essas mudanças, o Estado terá condições de adaptar algumas unidades à rede SUS. A unidade de Jaraguari, assim como muitas outras, tem convênio por meio da assistência social. Além da parte de saúde, há necessidade de investimentos em ressocialização, para inserir a pessoa no mercado de trabalho, por exemplo. É um trabalho amplo.
Quais são os trabalhos da comissão na região de fronteira?
Temos isso no eixo de repressão. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, são poucos agentes da Polícia Federal na fronteira e eles não ganham adicional para atuar nessa região. O Plano de Segurança das Fronteiras, lançado em junho, compreende uma série de investimentos em equipamentos, como o Veículo Aéreo Não-Tripulado (Vant) e também a Central de Inteligência para que as polícias federal, civil, rodoviária federal, Exército, Marinha e Aeronáutica possam ter ações interligadas. A Operação Ágata já é um resultado. O outro eixo trata do sistema prisional, que está em colapso e do alto número de presos por tráfico de drogas.
Há discussões para tentar um tipo de acordo com os países vizinhos para minimizar os problemas com o tráfico de drogas?
Como o crime ocorre além das fronteiras, uma das minhas sugestões é tentar ampliar essas discussões, principalmente com Bolívia, Peru e Colômbia, que produzem 98% da cocaína do mundo. As leis destes países e do Brasil são muito diferentes entre si. Por isso, do dia 3 a 7 de outubro, a comissão designou sete integrantes para ir ao parlamento destes países com objetivo de conhecer a legislação para ver o que podemos acrescentar ou alterar com objetivo de facilitar e ter uma lei que fale a mesma língua. Isso é diplomacia parlamentar. Vamos usar pela primeira vez esse conceito para falar sobre as drogas e, como também estou na delegação, pretendo abordar a questão da identificação dos automóveis com a Bolívia.
Que tipo de providências podem ser adotadas com outros países?
Vou assumir uma cadeira de deputado para o Mercosul, o chamado Parlasul e quero implantar também a Comissão Especial de Combate às Drogas, pois o crime é transnacional. Por exemplo, a folha de coca não vira pó se não tiver indústria petroquímica. Os países que tem indústria petroquímica são Brasil e Argentina. Então, podemos concluir que está indo solvente para lá para voltar pó para cá. Precisamos de ações articuladas. Existe já na Europa a Europol, que trata de questões de inteligência das polícias e estratégicas de enfrentamento às drogas. Na América do Sul temos a ideia de fazer a Ameripol, que seria a inteligência da polícia das Américas, para unir forças da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, e a Bolívia, que é aspirante ao Mercosul. Como o trabalho está bastante ligado ao problema do crack, queremos a integração ainda com Peru e Colômbia.
A partir da constatação de que a grande maioria dos atos infracionais tem como pano de fundo o uso de drogas, discutiu-se a possibilidade de os adolescentes que se encontram nas Uneis passarem automaticamente, já no período de sua internação, pelo tratamento da dependência?
Temos essa vertente. Quando aborda-se apenas a penalização, você arruma um depósito e deixa o menor lá. Precisamos ampliar as ações de prevenção, com, escolas técnicas e geração de oportunidades para a ressocialização.
No entanto, para garantir todas essas ações são necessários investimentos altos dos Governos federal e estadual, que ainda são omissos em algumas questões. Como isso será articulado?
Tivemos uma reunião em Mato Grosso do Sul com a participação de secretários de vários estados que fazem fronteira com Bolívia, Peru e Colômbia. Nosso Estado tem o que mostrar, comparado aos demais. Temos o DOF (Departamento de Operçaões de Fronteira) e uma boa performance em investigação, mas ainda é pouco perto do tamanho do problema. Os governos estaduais terão de se envolver mais.
E em relação ao investimentos no setor da saúde para tratamento dos dependentes?
Não há nada no Brasil inteiro. Um blecaute total. O poder público nunca se preparou para essa epidemia de drogas. Até um passado relativamente recente, a questão das drogas era diferente. Tínhamos a cocaína, que atingia principalmente jovens das classes A e B, que tinham condições de comprar e gastar dinheiro a ponto de tornarem-se viciados naquela droga. As famílias gastavam com tratamento em clínicas particulares. Já a maconha, muito mais presente nas classe C, D e E, embora faça muito mal, não tem esse componente de vício absoluto como as formas atuais de cocaína. O crack é a cocaína com solventes cada vez mais baratos e sem chegar ao refino. Com a droga sendo inalada, como acontece com o crack, o usuário dá um pico alto de alucinação, mas o tempo de permanência é mais baixo e logo ele precisa da primeira, segunda e até quinta pedra. Acaba consumindo uma quantidade maior.
As dificuldades aumentaram porque o crack vem atingindo todas as classes sociais?
Essa droga não teve tanta aceitação nas classes A e B, mas entrou nas demais. Hoje você encontra cortador de cana usando crack. No começo, a droga é excitante, ele trabalha mais, tira a fome, mas depois de dois meses a produção cai. O crack entrou até nas aldeias indígenas. Hoje não há mais municípios sem cracolândia. Aquilo não está só em Campo Grande ou e São Paulo, está também nos municípios pequenos.
O senhor é favorável a internação compulsória, a exemplo do que aconteceu no Rio de Janeiro?
Esse assunto é bastante complexo. A legislação garante o livre arbítrio para que a pessoa decida pelo tratamento, a não ser que a doença coloque em risco terceiros, como no caso de doenças infecciosas. Não é a situação do viciado em drogas, que está destruindo seu próprio organismo. Entretanto, o dependente que está sob efeito de substância psicoativa não tem condições de decidir se quer ou não se tratar e entra o conceito do Estado como protetor da vida, no qual está sendo elaborada a tese para a internação compulsória. Há proposta para que a pessoa seja internada na fase agúda do problema até ter condições de optar pelo tratamento.
Entretanto, pela situação que enfrentamos hoje, mesmo que a pessoa queira não terá onde buscar esse tratamento?
A meta da reforma manicomial era fechar os hospitais psiquiátricos até por conta da melhoria do tratamento ambulatorial na psiquiatria. Mas, com o surgimento desse tipo de droga, há um apelo até mesmo da sociedade para providências. Estamos sofrendo com o fato de não ter havido prevenção. Para abrir leitos na quantidade necessária seria necessário um megaesforço nacional e por isso a internação tem que ser muito bem discutida. Não podemos deixar que os políticos, principalmente quando o país receberá Olimpíada e Copa do Mundo, usem desse artifício para deixar os cartões postais limpos. É fácil falar: "não queremos cracolândia", pegar uns dez ônibus e levar as pessoas para uma fazenda. Acredito que vamos chegar a um meio termo.
O senhor já se deparou com situações de pessoas que não conseguiram tratamento para largar as drogas?
Há pessoas que chegaram para mim e falaram: "quero me tratar" e eu, como secretário de saúde, infelizmente, não tinha onde interná-lo. Aqui em Campo Grande, a pessoa fica de 10 a 15 dias no Hospital Regional e depois vai para a Rede Caps, onde a recidiva é altíssima. Depois que ele recebe alta, vai encontrar a mesma turma, mesmos amigos, está fora da escola e sem emprego. Os vínculos continuam os mesmos. Ele acaba passando no Caps de vez em