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Política Recordando XXVIII Recordando XXVIII 23 FEV 2010 • POR Crônica • 04h09

Essas recordações não guardam, necessariamente, qualquer compromisso social, filosófico ou religioso, são apenas recordações. Mas guardam, até mesmo por uma questão cultural, o cuidado de não ofender quem quer que seja. São, repito, apenas recordações que nos levam quase sempre à nossa juventude. E há coisa mais poética do que a juventude? Então, vamos a juventude recordar. Faz-se mister, antes, um pequeno comentário sobre usos e costumes. Por exemplo, nos anos 30 e 40, quando aflorava a minha juventude, o que era e o que não era tolerado pela chamada sociedade. Muito pouco era tolerado, mas eu não estou aqui para criticar nada nem ninguém, apenas constatar: muito pouco era tolerado. E no capítulo sexo, sai de baixo! O sexo era praticado, pelo menos diante da lei, apenas pelos casais, e, sobretudo, com o fim precípuo de procriar. As mulheres eram profundamente fiscalizadas e ai daquela que errasse. Isso, as adultas, porque as moçoilas (oh, palavrinha demodê!) eram as puras virgens; sexo, nem pensar, onde já se viu? E os rapazes? Bem, os rapazes eram homens, e homem era diferente (?) e como eram ainda muito jovens para contrair matrimônio, num ato de profunda hipocrisia, estavam liberados para frequentar as ruas e vielas das chamadas zonas de meretrício. De resto, coisa antiga, até na Bíblia se faz referência ao costume – não foi Madalena uma delas? Pois bem, comigo não foi diferente, e se forem tentados a me apedrejar atire a primeira pedra quem lá nunca foi. Isso posto, deixe eu me centrar na pessoa objeto da recordação de hoje. Voltemos a 1941, onde a melhor zona (sim, porque tinha zona de primeira, de segunda e de terceira classe) ficava ali na Vila Tomé, na esquina da Avenida Calógeras com a Maracaju, onde hoje funciona um posto de gasolina. Nas imediações, ali na Rua Maracaju, umas meninas (me permitam o eufemismo) de melhor classe, atendiam uma clientela de classe acima da média, onde, no meio daquele quarteirão, tinha seu ponto a Verônica, uma paraguaia muito bonita, de simpatia contagiante, tida e havida como top de linha, se me entendem. Ela tinha amigos – sim, porque Verônica não se contentava apenas em “atender” seus fregueses. Durante o antes e o depois, havia sempre uma gostosa conversa, como se procurasse dissociar sua profissão mostrando um lado humano que aflorava deslumbrante, não afloram o lótus na lama? E assim se cercava de uma simpatia, imensa simpatia. Não lembro de tê-la visto triste algum dia. Anos depois, muitos anos depois, um amigo engenheiro asfaltava determinada rua, cujo nome tornou-se “transverônica”. Por que o nome, perguntei. É que lá há uma casa de tolerância de alto nível (!), cuja dona parece ter muito prestígio. Seu nome? Verônica. Meu Deus, e Verônica ainda existe? Existe sim, talvez não tão exuberante como quando você a conheceu, mas hoje exerce a gerência da casa, onde seus fartos conhecimentos e imensa prática a faz credora do respeito de tantos quanto a conhecem. Não fica difícil, para quem a conheceu como eu, entender o porquê. Afinal, aquela imensa simpatia não vinha de graça não, fora conquistada com muita luta, era simpática sim, mas você conhece alguma prostituta que não seja simpática? Pois bem, agradável, receptiva e de boa conversa tudo bem, mas a aura de respeito com que se cercou surgiu depois de muita luta, afinal, ninguém vence sem luta, muita luta. Isso não significa que tenha sido uma luta exemplar, significa pura e simplesmente que foi uma luta, nada mais que isso. Tenho pois, por ela, respeito. Respeito de que se fazem merecedores todos quanto, como ela, lutaram por um lugar ao sol. Não que sua luta tenha sido um exemplo, simplesmente foi uma luta, nada mais que isso. Campo Grande tem se caracterizado por ser uma terra dadivosa, acolhedora e onde há lugar para todos. A vida de Verônica é uma prova palpável disso. Não a contei em detalhes até mesmo porque não conheço detalhes, simplesmente conto, com todo o respeito, a passagem por nossa vida de um ente humano. Nada mais. Na ocasião em que meu amigo engenheiro me contou o fato, eu me via diante da homenageada, com aquela carinha risonha, simples e humilde assim como quem diz “e eu lá mereço?!” Se você merece eu não sei, mas que seu nome está definitivamente ligado à história de Campo Grande, lá isso está.