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Política Emoções de segunda mão Emoções de segunda mão 26 FEV 2010 • POR • 00h30

Uma sensação de déjà vu paira na televisão brasileira. Cada vez mais comuns, os remakes – ou, como alguns preferem, adaptações – de sucessos do passado não param de aparecer na grade das emissoras. Mas nem sempre o que já fez bonito uma vez consegue repetir o feito em sua “ressurreição”. E os próprios autores chamados para dar a tal releitura às obras são os primeiros a constatarem isso. “Há uma linha tênue entre a recriação respeitosa e a reinvenção que se perde”, atesta Thelma Guedes, que atualmente experimenta, ao lado de Duca Rachid, sua primeira novela autoral, “Cama de gato”, depois de adaptar com sucesso “O profeta”, de Ivani Ribeiro, para a Globo, em 2006. Mesmo assim, o escritor Tiago Santiago não se preocupa com as comparações. E acredita, sim, que partir de um texto bem-sucedido pode lhe trazer bons resultados em sua estreia no SBT. Para o autor de “Uma rosa com amor”, que terá seu primeiro capítulo exibido na próxima segunda, dia 1º, os remakes já contam com a simpatia de quem tem boas lembranças do original. “A novela ganha uma divulgação bocaa- boca das pessoas que viram e recomendam para quem não viu”, supõe. Mas essa ideia não é compartilhada por outros redatores. Marcílio Moraes, que participou da adaptação de “Irmãos coragem”, em 1995, na Globo, e fez uma espécie de junção de “A pequena órfã” com “Ídolo de pano” em “Sonho meu”, em 1993, alerta que nem sempre as releituras são bem recebidas pelos telespectadores. “Um remake, tanto quanto uma obra original, depende do momento em que é apresentado. Quem escreve tem de ter sensibilidade para perceber isso”, analisa. Juntar duas novelas também parece ser a proposta de Maria Adelaide Amaral para a próxima novela das sete da Globo. E a trama ainda nem começou a ser gravada e já é vista como nova salvação para o horário das 19h, já que “Tempos modernos”, de Bosco Brasil, amarga médias mais baixas que a faixa das 18h, que costumava ser problemática na emissora. Mas a autora explica que o foco está todo em apenas um dos originais. “Vou pegar ‘Ti ti ti’ e usar uma ou duas histórias de ‘Plumas e paetês’, ambas de Cassiano Gabus Mendes”, detalha. Para Duca Rachid, dá para reescrever uma história de um jeito diferente, talvez até melhor. Mas sempre respeitando a essência do original. “Tem de mudar o que não funciona. Adaptar, como diria Walther Dürst, ‘é trair por amor’. Às vezes, um certo tom, ritmo, perfil de personagem ou conflito não funciona mais com o público de hoje”, argumenta. Por isso mesmo, Edmara Barbosa, filha de Benedito Ruy Barbosa e responsável pelos remakes de “Cabocla”, “Sinhá Moça” e “Paraíso”, assume que um detalhe torna o trabalho bem mais fácil nesse aspecto. “Se a trama é de época, esse problema é apagado”, explica ela, que só adaptou uma trama contemporânea. A discussão sobre a autoria de um remake é polêmica. Mas há quem diga que as adaptações, mesmo feitas a partir de um texto original, são 100% autorais. “É uma obra derivada da nova”, defende Alcides Nogueira, que escreveu recentemente uma versão para “Ciranda de pedra”, apresentada pela primeira vez na tevê em 1981. Mas tudo tem seu preço. “Muita gente me acusou de fugir do livro da Lygia Fagundes Telles, o que não era verdade. Só criei uma narrativa diferente da versão de Teixeira Filho”, defende-se. Gisele Joras, responsável pela versão nacional de “Betty, a feia”, apresentada na Record atualmente em “Bela, a feia”, faz coro. “Considero o que eu faço uma ‘adaptação autoral’, se me permitirem a definição. É adaptação, porque a ideia original da trama central não é minha. Mas autoral, pois escrevo com liberdade”, garante.