Logo Correio do Estado

Perdemos um grande amigo: José Mindlin Perdemos um grande amigo: José Mindlin 3 MAR 2010 • POR PEDRO SPINDOLA, • 05h42

Falar no plural, neste caso, é preciso. Era um homem de muitos amigos. Em São Paulo, no Brasil e no mundo. Deixou-nos no último domingo, aos 95 anos, em São Paulo. De Fernando Henrique Cardoso a seu Joaquim, seu motorista, todos o admiravam e respeitavam. Era, sem dúvida, a criatura mais gentil que conheci. Dos poucos para quem ser era muito mais importante que ter. Tive o privilégio de ser seu amigo. Posso dizer isso de boca cheia, baseado nas constantes manifestações de carinho e respeito que dele recebia. Mas, o mais gratificante mesmo era observá-lo e admirar sua lhaneza na condução das situações do cotidiano. A pouca convivência que com ele tive foi muito proveitosa. A cultura foi a cola que nos uniu. Tudo começou em 91, por aí, quando, escalado pelo poeta Manoel de Barros, em uma das nossas caminhadas diárias, fui, apreensivo, confesso, buscar o grande empresário (que eu como jornalista já conhecia e admirava) no Aeroporto de Campo Grande-MS. Foi amor à primeira vista... No caminho para a cidade pude exercer plenamente o meu jeito alegre e brincalhão de ser. Veio a Campo Grande para conhecer Manoel de Barros pessoalmente, pois já era seu grande admirador, e propor a edição de um livro/homenagem. Nos dias que permaneceu em Campo Grande com Dona Guita, uma neta e o jornalista João Borges, de Brasília, fizemos de tudo. Passeios pela cidade e na fazenda do poeta no Pantanal, churrasco, e jantares em restaurantes. Fui o cicerone desta divertida aventura cultural. Na última página a explicação: “Este é o Livro das Ignorãças que Manoel de Barros escreveu em Campo Grande e um editor bissexto paulista publicou em homenagem ao poeta. Desta edição especial foram tirados 300 exemplares como miolo em papel couchê fosco 150 gr. da Suzano e sobrecapa em papel canson miteintes 160 gr, numerados e assinados pelo autor. O projeto gráfico foi de José e Diana Mindlin, (...). Acabou-se de imprimir em São Paulo (...), em outubro de 1993”. Pela distância, pela falta de tempo do Mindlin (então em plena atividade empresarial) e pela incompetência assumida do poeta em lidar com assuntos de ordem prática, fui nomeado intermediário da execução do Projeto. Depois do vaievem de originais, bonecos e provas, finalmente chegaram os livros. Busquei os 300 exemplares no Aeroporto e os levei à casa do poeta para serem assinados e numerados. Pediu de 10 a 15 dias para dar conta do recado (ele sempre fez isso, pede um tempo muito maior que o necessário, por garantia diz. Com quatro ou cinco dias pede para alguém ligar avisando que a tarefa está pronta.) Desta vez foi diferente. Com dois dias me ligou, pessoalmente (o que pouco fazia), para dizer que havia encontrado dois erros graves (nas páginas 13 e 16) e que iria corrigi-los um a um, à mão. E corrigiu... Em menos de 10 dias foram mandados de volta. Em poucos dias recebi seis exemplares para meus familiares. O meu exemplar tem duas dedicatórias: Ao caro Pedro Spindola, 1º para agradecer seus cuidados e sua amizade 2º para agradecer a sugestão do título Os Deslimites da Palavra Não tem terceiro Um abraço para Arilma, filhotes e a você, com afeto. Seu amigo Manoel Em 11.11.93. A outra: Ao caro Pedro, que participou tanto da gostosa aventura desta edição, o abraço amigo da Diana e do José. Em 9.XII.93. Este episódio foi o início de uma bela e duradoura amizade, repleta de momentos gratificantes. Estive algumas vezes na sua biblioteca de raridades, a maior particular do país, da qual doou parte – os 45 mil volumes da Coleção Brasiliana. Sempre perguntava se eu não gostaria de dar uma olhada em algum livro. eu respondia que sim, desde que pudesse passar uns trezentos dias lá dentro. Fomos juntos à Bienal do Livro de São Paulo. Foi um gratificante sufoco... Levamos umas seis horas para atravessar o pavilhão. Todos o cumprimentavam e ele, solene, a todos me apresentava. - Este é o Pedro Spindola, um amigo, jornalista do Mato Grosso do Sul. Culminou com o Bispo sul-africano Desmond Tutu. Nunca vi tanta gentileza em uma pessoa!!! Um dia fui convidado para almoçar em sua casa. Conversamos bastante, estivemos na biblioteca e nos deliciamos com a comida simples e gostosíssima de sua cozinheira mineira de muitos anos. Ao me despedir, ele chamou o seu Joaquim e pediu que ele me levasse ao Aeroporto. Fiquei sabendo de histórias e gestos inacreditáveis daquele homem. Como ainda faltava muito tempo para o voo, pedi que me deixasse num shopping. Deixou a conta-gosto. Queria por tudo esperar... Perto da hora fui para um ponto de ônibus – tinha tempo de sobra – e me informei sobre qual me levaria até lá. Sentei e retirei da pasta o livro que havia acabado de ganhar, Uma Vida Entre os Livros – Reencontros com o Tempo, e comecei a folheá-lo. Senti atrás de mim alguém olhando... Era um cavalheiro distinto, de terno, que perguntou se era o novo livro do José Mindlin. Antes que eu respondesse, continuou dizendo que queria comprá-lo mas não estava conseguindo e quis saber onde eu havia conseguido. Respondi que havia recebido do próprio Mindlin horas antes. Naquele exato instante apareceu o ônibus que me levaria ao Aeroporto... Pulei dentro, com a sensação de que o homem não acreditou na minha história... Por tudo isso, posso dizer que José Mindlin foi meu amigo. Meu e de milhares e milhares de pessoas aqui e pelo mundo afora, foi muito amigo da cultura e, principalmente, dos livros.