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Mortadela e duplex Mortadela e duplex 12 MAR 2010 • POR ALTEMIR LUIZ DALPIAZ, PROFESSOR, MESTRE EM EDUCAÇÃO, PALESTRANTE – ALTEMIR@DALPIAZNET.COM.BR • 07h39

Mesmo com o mundo se transformando em uma imensa “aldeia global”, nas cidades os espaços para se viver estão se tornando redutos isolados e se diferenciando entre si pelos aspectos econômicos. Moradia, escola, lazer, cuidados com a saúde, meios de transporte e até no trabalho, ou profissão, estamos “separados” pelas diferenças ou, em outras palavras, “juntados” pelas semelhanças em nossa renda. A questão financeira nos identifica e por isso o olhar identificado pelo consumo nos “torna” iguais ou diferentes uns dos outros. Há uma regra invisível, que delimita nossas vidas, tendendo a juntar portadores de rendas semelhantes no mesmo local, nos mais variados setores de nossas vidas. Tentarei aqui, neste artigo, diferenciá-los. O que nos aproxima são as moradias estabelecidas por padrões pre-definidos, construídas em bairros, condomínios e apartamentos de acordo com uma regra velada, mas muito perceptível, de que os territórios urbanos estão definidos e loteados pelo poder de compra de cada um. Surgem assim, em nome da segurança, os condomínios horizontais, cercados e vigiados garantindo o bem-estar de seus moradores, conforme já disse o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Alguns desses empreendimentos, distantes dos centros das cidades, estão localizados nas fronteiras daquilo que eles pretendem ser o oposto: as favelas ou vilas de “baixa renda”. Outro lugar que serve de parâmetro para mensurar uma condição econômica se trata das escolas. Instituições de ensino da rede pública, com exceção de algumas que são referências elitistas, recebem sempre o público menos favorecido economicamente ao contrário das escolas particulares que se mantêm com as mensalidades dos que podem pagar pela educação formal. No ensino superior no Brasil, há uma situação contrária de toda a educação básica, onde as universidades públicas são o desejo da maioria dos que querem se formar. Para se chegar ao ensino superior público, há um grande investimento de estudos por parte dos alunos, e financeiro dos pais, que “bancam” a educação/preparação em escolas privadas. Na área da saúde, a diferenciação pelo poder aquisitivo é denotada nos locais que atendem seus doentes. Clínicas e hospitais particulares para uns. Postos de saúde, ambulatórios e hospitais públicos para a maioria. Convênios médicos através de planos de saúde também se diferenciam pelos valores das mensalidades. Lá dentro, na internação, enfermaria, quarto ou apartamento vão “selecionando” seus pacientes de acordo com seus “planos”. A sensibilidade dos médicos e enfermeiros é que acaba reduzindo o sofrimento. No trabalho, também há uma hierarquia que notabiliza os melhores remunerados. Para os trabalhadores da mesma empresa (agora denominados colaboradores), sempre há serviços diferentes para cada um. Quanto mais alto o cargo, menos serviço braçal. Possivelmente no exercício do labor, estarão separados por salas, desempenhando suas funções entre divisórias e corredores. A função de cada um serve como parâmetro de remuneração, e a convivência e afinidades, provavelmente, se darão pelo mesmo piso salarial, com exceção da “amizade forçada” dos puxa-sacos. Lembrou de alguém? O lazer pode ser um dos mais democráticos meios de convivência, onde pobres e ricos se misturam. Mas, também nesses momentos, há os “detalhes” que separam (ou segregam?). São os territórios demarcados nas praias, nas ruas e calçadas para as caminhadas e inclusive nos estádios de futebol, onde há os lugares que delimitam espaços. São os camarotes, cadeiras cativas, arquibancada coberta e arquibancada descoberta. Há outros lugares e produtos que podem exemplificar as diferenças que definem locais e sujeitos pelo fator econômico, tais como aeroporto/rodoviária, shopping center/comércio popular, TV por assinatura/TV aberta, eleitores/eleitos, presunto/mortadela, ar- condicionado/ventilador, laje/cobertura, puxadinho/duplex, táxi/mototáxi e tantas outras comparações. Acredito que nesses novos tempos não estamos mais separados por classes (a luta coletiva acabou), mas entre outras, pelas condições econômicas. Acredito também que essa “separação” diminuirá com a disseminação do uso da internet, no qual todos nós seremos anônimos viajantes na grande rede, visitando territórios sem a necessidade de expormos nosso poder de compra, ou de escondermos a nossa falta de dinheiro. Para que cada um se conecte é só uma questão de tempo, mas como isso também depende de dinheiro, continuaremos separados, sendo tratados de formas exclusivas ou excludentes.