Em recente artigo na revista Veja (“Área de risco”, edição de 17 de março), J.R. Guzzo é especialmente ácido. O objeto central de suas críticas fica claro logo de início: a nova Cidade Administrativa de Minas Gerais, projetada por Oscar Niemeyer a mando de Aécio Neves. Nada contra a opinião do jornalista em sua condenação veemente à iniciativa do governador mineiro, não fossem algumas afirmações no mínimo infelizes. De acordo com ele, “Paris, por exemplo, talvez ofereça as demonstrações mais agressivas do que é capaz de produzir a combinação entre a mania de grandeza dos governos e a arrogância dos arquitetos”, concluindo ainda que “Pensar que seja possível melhorar a paisagem de uma cidade como Paris recorrendo a escritórios de arquitetura é, obviamente, de uma pretensão sem limites”. Passada a surpresa inicial com a virulência dessas palavras, comecei a pensar em como responder adequadamente ao articulista. Não o fiz a tempo e qual foi minha surpresa ao ler a seção “cartas” da edição seguinte (24 de março), onde o leitor Antonio Carlos Domansky Junior parecia, ao menos aparentemente, ter matado a charada: “Qual seria o profissional indicado e legalmente habilitado a repensar a paisagem das grandes cidades senão o arquiteto?”. Perfeito, não fosse outro trecho onde Domansky sentencia, com a melhor das intenções: “A combinação entre a mania de grandeza dos governos e a arrogância dos arquitetos, condenada pelo autor, foi historicamente o combustível para a construção de muitas das grandes obras da arquitetura, a exemplo de Paris, citada por ele.” Resultado: mais gasolina no incêndio, na medida em que tal afirmação passa a ideia equivocada de que qualquer obra pública importante tem necessariamente que ser realizada com essa fórmula. Em primeiro lugar, cabe um esclarecimento. A atuação profissional dos arquitetos e urbanistas na esfera pública ultrapassa em muito o simples projeto de edifícios administrativos, contemplando todo o tipo de obras, desde edifícios escolares, culturais, para fins de saúde até grandes intervenções em áreas urbanas degradadas. Há um propósito permanente de bem servir, onde há pouco espaço para arrogância. E, num ambiente democrático, nem sempre estas iniciativas partem de um único governante, sendo muitas resultado da mobilização e participação de comunidades e setores organizados da sociedade. Mas, como a restrição de Guzzo é a um conjunto administrativo, ou sobre a necessidade ou não de fazê-lo (no artigo ele preferiria recuperar o centro de Belo Horizonte), vale uma reflexão sobre os critérios empregados para condená-lo. Na maioria dos casos, avalia-se um edifício público por sua utilidade, custo e eficácia. Muito natural, em tempos de escândalos recorrentes na utilização de recursos do contribuinte. Estabelecer critérios objetivos para essa avaliação dá transparência ao processo. Ocorre que, além de seu caráter utilitário, um edifício público tem um valor simbólico. Um conjunto administrativo não é uma obra qualquer, ele simboliza de algum modo a cidadania. Podemos nos espelhar nele, da mesma forma que os fiéis católicos na idade média se orgulhavam de suas catedrais góticas. Uma edificação pode inclusive se tornar o símbolo de um país, como a Ópera de Sidney, na Austrália. O mesmo acontece na esfera privada (onde supostamente predominaria a racionalidade e eficiência); não foi por acaso que a Federação das Indústrias do Estado do São Paulo (FIESP) construiu aquele prédio piramidal na Avenida Paulista, quando poderia ter optado por algo bem mais simples. O edifício expressa, em termos materiais, o prestígio da entidade. Diante disso tudo, e se temos todas as condições de realizar edifícios com responsabilidade e bom senso, poderíamos perguntar: o que seria verdadeiramente um desrespeito ao dinheiro público? Será que o contribuinte gostaria de ver seus impostos em obras que logo exijam reparos ou manutenção, a pretexto de uma falsa economia? Um edifício de qualidade não deve ser adequado ao fim que se destina, como dizia o saudoso engenheiro Falcão Bauer? Por que associar a arquitetura ao supérfluo e, num nível mais filosófico, por que precisamos abdicar da beleza nas cidades? Pelo menos J.R.Guzzo tem razão em um ponto, quando afirma que “Não se vê, ali, nenhum sinal de que tenha ocorrido alguma boa ideia na arquitetura mundial ao longo dos últimos cinquenta anos.” Na verdade, houve muitas, que vêm sendo aplicadas em diversos lugares, poucas em nosso país. É que, para o bem ou para o mal, o Brasil teve o privilégio de ver nascer em seu território um dos mais importantes arquitetos do século 20 e, por preguiça ou falta de alternativas, insiste em cultuar um ícone de 102 anos de idade ainda em plena atividade profissional.