“Moogui reju?” Traduzida para o português, esta pergunta feita na língua guarani seria: “de onde você é?” A propósito, é a isso que este idioma remete – às origens. Falado originalmente pelos indígenas, no período pré-colonial do Brasil e de outros países sul-americanos, o dialeto continua vivo no Paraguai, onde é idioma oficial, em regiões da Bolívia, Argentina e aqui, em Mato Grosso do Sul.
A forte influência da cultura fronteiriça – na culinária, na música e em tantos outros elementos do cotidiano – também pousou na linguagem. O trânsito fluido na fronteira com o Paraguai favorece o contato e as trocas com os hermanos, que falam tanto o guarani quanto o espanhol. Há alguns anos, em Mato Grosso do Sul foram abertos cursos e aulas em escolas, institutos e universidades para quem quiser aprender a língua materna indígena que se espalhou pelas Américas e pelo mundo. São ofertados não só aos descendentes, imigrantes paraguaios e povos indígenas do Estado, mas também a brasileiros que não conhecem o idioma.
Segundo o cônsul do Paraguai em Mato Grosso do Sul, ministro Angel Adrián Gill Lesme, o guarani já está presente no dialeto de muitos brasileiros, e ainda mais em Mato Grosso do Sul, que possui o maior número de imigrantes e descentes paraguaios e a segunda maior população indígena do país. “Ele já é muito falado. Só de paraguaios e descentes há mais de 70 mil pessoas. Tem tanto nome de município e rios em guarani aqui, como o sul-mato-grossense não vai conhecer?”
No intuito de espalhar a cultura paraguaia pelo Estado e valorizar o idioma, o consulado regional começou a oferecer um curso de guarani em parceria com o Instituto do Chamamé, Polca e Guarania de Mato Grosso do Sul no ano passado. Matricularam-se 20 pessoas, entre pesquisadores, descendentes e brasileiros simpatizantes com o linguajar paraguaio, selecionados entre 200 inscritos. Ontem, os primeiros alunos formados desta turma receberam seus diplomas.
Nas escolas indígenas do Estado, o ensino bilíngue é obrigatório – as crianças são alfabetizadas em guarani e aprendem o português também a partir do segundo ano. A Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e unidades da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul no interior oferecem aulas de guarani aos acadêmicos e à comunidade interessada.
DIFÍCIL?
A linguagem é o principal elo da cultura de um povo. Por meio dela é possível compreender seus hábitos, suas histórias, suas origens e outros aspectos de suas particularidades.
O dialeto guarani vem do tronco linguístico tupi, e sua fala e escrita são tão variáveis quanto são a do português e do espanhol em diferentes países e regiões. Entender o significado das suas palavras – ricas em imagens e sensações – é também conhecer a identidade de quem as articula no dia a dia.
A professora Idaliana Maciel Leõn nasceu no Paraguai e mora em Mato Grosso do Sul há sete anos. É formada pelo Instituto Ateneu, no país vizinho, deu aulas durante três anos na Colônia Paraguaia, em Campo Grande, e atualmente é professora do curso de guarani do Consulado do Paraguai em Mato Grosso do Sul. Ela faz o que gosta. “É a minha língua, a minha cultura, o meu costume, sou uma paraguaia apaixonada pela cultura do meu país e me sinto muito feliz e orgulhosa em ensinar”.
O guarani carrega a fama de idioma difícil de aprender, mas Idalina discorda, e argumenta que “não é difícil, tem algumas diferenciações na pronúncia, mas nada impossível”.
Explica ainda que “a parte mais complexa é a tradução, muitas palavras em guarani não têm o mesmo significado em português, elas são bem mais aprofundadas. Mas é justamente isso que é bonito no guarani”. O exemplo que ela dá é a palavra saudade, que em guarani fica “arohecha-u”, algo como “estou com saudade de você”.
O alfabeto guarani tem 33 letras, entre elas 12 vogais e 21 consoantes. O som gutural – que sai da garganta – e anasalado são as principais características de sua pronúncia. A professora aposta na prática com canto de clássicos como “Paloma Blanca”, de George Baker, e na leitura de pequenos trechos para garantir a boa fala dos alunos. “Eles são pessoas apaixonadas pelo guarnai, adoram. Já trouxeram até violão e harpa para cantarmos juntos”, conta.
IDIOMA “DOCE”
O aposentado Salvador Fernandes nasceu em Bela Vista (MS), na fronteira com Bella Vista Norte, distrito do Paraguai. Morava na fazenda do pai, e tinha contato com peões que eram paraguaios. “Cheguei a ensinar o português para eles, mas dei bobeira e não aprendi o guarani com eles, infelizmente”.
Ele tem noções do idioma, mas decidiu começar o curso do Consulado do Paraguai em março deste ano para aprender de vez a falar e compreender.
A língua encanta Salvador desde criança. “É doce, linda de ouvir e de falar, os paraguaios falam alegres e sorrindo. Eles lá falam mais o guarani do que o espanhol porque ele não cansa”, descreve.
Marilei Ferreira, também aposentada, concluiu o curso de guarani em julho deste ano. Ela acompanhava o programa “A Hora do Chamamé”, da Rádio Educativa, ouviu o anúncio do curso e decidiu fazer. “Eu não tenho contato com paraguaios, não vou muito para lá, sou de outro Estado. Mas achei interessante fazer porque o guarani é um resgate da nossa cultura”.
PRECONCEITO
No Paraguai, o ensino do guarani nas escolas passou a ser obrigatório somente após a promulgação da Constituição de 1992. Hoje, a maioria da população entende e fala as duas línguas, e é comum que misturem os dois idiomas na hora de falar.
Para Orivaldo Mengal, ex-presidente da Colônia Paraguaia e atual presidente do Instituto do Chamamé de Mato Grosso do Sul, mesmo estando tão presente na música e na cultura em geral do Estado, aqui o guarani é alvo de preconceito por ser “língua de índio”.
“Meu sonho é que todo o Mato Grosso do Sul adote o guarani também como língua oficial, pois ele faz parte das nossas raízes e da nossa identidade”, finaliza.