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artigo Gilberto Verardo: "Difíceis dias modernos" Psicoterapeuta/psicólogo 1 JUL 2017 • POR • 02h00

Muita gente não concorda que o comportamento sofre influência direta do meio em que vive. A influência é mais forte quando está no seu habitat cotidiano.

Daí a importância do núcleo familiar na modelagem do caráter pessoal e social da pessoa. No entanto, essa constatação óbvia observada pelos mais sensatos cientistas do comportamento e sociólogos ponderados, vem sendo massacrada pela tirania do Estado Democrático de Direito, onde o Estado passa a tutelar todo e qualquer comportamento social do indivíduo e, em tempos mais recentes, quer controlar a quantidade de sal que a pessoa deve comer, entre outras coisas. Invadiu as individualidades.

Lembra-me o Big Brother (grande irmão) do livro admirável mundo novo de Aldous Axley, com suas câmeras vigiando tudo. 

Este moderno modelo de Estado, iniciado lá na Revolução Industrial, foi fundamentado com a Filosofia Positivista e o Método Cartesiano (causa x efeito) de René Descartes, que, sinteticamente, defendia que – o meio social é o ponto de equilíbrio das individualidades.

Em caso de desajuste das regras de convívio coletivo, o problema não está no meio, mas na individualidade de cada um. Assim, qualquer tropeço ou erro das instituições que organizam e propagam os valores do comportamento coletivo, é atribuída à má absorção pessoal dos valores emanados pelas instituições (politica, religiosa, educacional, econômica, militar, etc.).

O defeito não é das instituições, mas, possivelmente, de um defeito genético ou coisa parecida. E assim chegamos a esta grande crise pouco admitida do nosso modelo social.

A unanimidade deveria ser, desde então, tanto para atitudes como para o caráter moral. Funcionou bem nos primeiros séculos seguintes à Revolução Industrial, porém foi interrompido logo no início do século XX com a primeira Guerra Mundial. Ali se revelou o verdadeiro caráter humano que foi dividido em Selvagens Conscientes e Selvagens Ingênuos.

Os conscientes ocuparam as ramificações que se dirigiam ao poder econômico. Os ingênuos todas as ramificações que se dirigiam a filantropia, religiosa ou não. Assim, o século XX ficou mais racional, mais prático, menos ingênuo e menos poético. Porém, houve predomínio, de importância, dos selvagens conscientes.

Disseminando valores como competição e objetividade acabaram ocupando espaço dos selvagens ingênuos, incluindo a sua religiosidade, terminando por restar-lhes apenas apostar no amanhã, com o devido sacrifício do aqui e do agora.

Em pleno século XXI, assistimos a decadência moral e existencial deste modelo social, ainda sem admitir que as pessoas não devessem pagar pelos equívocos dos que cuidam da organização social e suas instituições, todas positivistas e cartesianas, ambas, filosofia e método, já desgastados pelos sucessivos equívocos ao longo do século passado.

Nosso modelo social se perdeu no caminho ao confundir demandas individuais das coletivas. 

Quando o coletivo (instituições) não cresce, não amadurece, acaba alimentando as individualidades – o fermento do egoísmo solitário. Aí, tudo que é Bem Comum não tem a mínima importância. Nem a nova biblioteca moderna – a internet – onde em apenas um clique em uma tela que se pensa fazer a mágica de transformar informação em conhecimento deu conta de resolver esta equação fundamental do convívio humano – individual x coletivo.

Um não vive sem o outro, tal como na frase – “Só você pode conseguir, mas você não pode conseguir só”. Nosso modelo social e suas instituições não deram conta de resolver esta equação simples e ao mesmo tempo complexa.

Hoje, continuamos a atribuir às individualidades toda a culpa pelo fracasso do modelo social. Direciona-se ao corpo todo o equívoco social não resolvido, fazendo com que a medicina lucre ao mesmo tempo em que perde credibilidade.

O nosso tecido social, composto por individualidades sempre a beira de um colapso, está enfermo. Logo, num círculo vicioso, termina por substituir esperanças e sonhos pessoais e também coletivos por patologias de ordem biológica, psicológica e social, onde a corrupção tem se destacado, afetando ainda mais a já frágil saúde do nosso Bem Comum. São tempos preocupantes, não para a saúde da economia, mas para a saúde mental das pessoas.