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Artigos Crônica de Maria Adélia Menegazzo: "Simples assim" Crônica de Maria Adélia Menegazzo: "Simples assim" 8 AGO 2017 • POR • 07h48

“Eu fico com essa dor, ou essa dor tem que morrer. A dor que nos ensina e a vontade de não ter. Sofrer de, mais que tudo, nós precisamos aprender. Eu grito e me solto. Eu preciso aprender. Eu curo esse rasgo ou ignoro qualquer ser. Sigo enganado ou enganando meu viver, pois quando estou amando é parecido com sofrer. Eu morro de amores! Eu preciso aprender!”

Ficamos todos com essa dor, porque continuaremos cantando Luiz Melodia até morrer!

Eu preciso aprender! Sempre! E é sempre, quase todos os dias, que encontro com pessoas que me perguntam: Por que você continua trabalhando depois de aposentada? Simples.

Não tenho outra forma de me reconhecer senão no meu ofício de ser professora. Coisa tão antiga como andar a pé, como diria meu amado Manoel de Barros.

Mas não professo verdades, apenas as minhas coisas mais sentidas, mais acreditadas por mim mesma, eu que não gosto de evidências incontestáveis. Pode parecer contraditório, mas não sou professoral, como muitos podem pensar.

Não tenho pretensão de tudo saber, assim como Jesus Cristo que, segundo Pessoa, não consta que tivesse biblioteca. Minha biblioteca é muito pessoal. Tem de tudo, desde Homero até Moema Vilela. Sem hierarquia.

Comecei minha carreira de leitora mais consciente com a Biblioteca das Moças. Não acho que muitos saibam o que isto significa, mas, sempre há um mas, depois tomei carreira de buscar o texto bem escrito, com mais enigmas para serem descobertos. E me encontrei. Por isso sou professora de literatura.

Busco a humanidade e seus valores mais profundos na literatura e, assim, processo tanto as alegrias quanto a dor que nos ensina.

E é com esse espírito que me envolvo, pela terceira vez, com a realização da Feira Literária de Bonito. Acredito que seja possível contemplar o humano para além das belezas naturais.

Já não disse o poeta que a literatura existe porque a vida não basta? Passo o ano inteiro lendo. Leio pelo menos um livro por semana, a folga que a aposentadoria me dá, e vou alinhavando aquilo que será a feira literária de cada ano. Entro em contato com os autores.

Sofro quando não dá certo, quando as agendas não batem. Fico feliz com a demonstração de apoio e, até mesmo, carinho, de alguns que, provavelmente, sentem que nosso trabalho tem um sentido para mudar, de alguma maneira, a crueldade dos dias em que vivemos. Construir um futuro para nosso passado e presente tão lamentáveis!

Por isso também, pensei a feira deste com o tema: a reinvenção da realidade. Alguns amigos me perguntaram sobre o porquê de reinvenção e não apenas invenção, como disse Clarice Lispector - Eu te invento, ó realidade!

Para mim, quando falamos diuturnamente sobre o que vivemos, quando verbalizamos nosso dia a dia, isso já é uma invenção, posto que mediada pela palavra.

O que vem da literatura, então, é reinvenção! E os autores que vêm para esta 3ª Feira Literária de Bonito, sem exceção, trazem esta proposta em seus romances, poemas, músicas, cinema, histórias em quadrinhos, contos, maneiras de viver.

Além disso, o que dizer das autoras homenageadas? Clarice, que dispensa apresentações, e Glorinha, que abriu nossa cultura para o diálogo com o outro e fez com que nunca mais fôssemos os mesmos?

É muito simples. Simples assim.