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LIVRE PARA COZINHAR Projeto de chef famosa ajuda mulheres vítimas de agressão Projeto da chef Paola Carosella atende mulheres também privadas de liberdade 21 NOV 2018 • POR PAULA MACIULEVICIUS BRASIL • 09h00

Cozinheira por amor e ofício nos últimos seis anos. É esta a profissão que Maria José Ferreira Dantas aprendeu dentro do presídio feminino Irmã Irma Zorzi, em Campo Grande. Presa por tráfico de drogas por influência do ex-companheiro, dos sete anos em que esteve em regime fechado, a maioria deles foi passado à frente das panelas e do fogão.

“Minha profissão é essa, só que tipo assim, não que eu tenha registro ou...” tenta explicar Maria José, 44 anos. O “ou” é pela formação que ela não tinha, mas está prestes a conquistar. Semiprivada de liberdade, Maria está no regime semiaberto e tem passado o dia aprendendo sobre técnicas para se tornar auxiliar de cozinha no papel também. “O que precisa é ter amor, você tem que ter muito amor no que faz, principalmente na cozinha, porque não adianta nada cozinhar sem ter vontade, amor e carinho por aquilo ali”, ensina.

Sobre o passado, Maria José não tem problema em contar e até se surpreende quando as perguntas são voltadas às páginas da nova vida, como um caderno que ainda vai colecionar receitas da auxiliar de cozinha. A oficina que a formará em poucas aulas leva no currículo o nome da masterchef Paola Carosella, dentro do projeto Cozinha e Voz,  trazido para Mato Grosso do Sul pelo Tribunal de Justiça em parceria com o Senac, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Ministério Público do Trabalho e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Foi a juíza da Vara de Violência Doméstica e Familiar de Campo Grande, Jac­queline Machado, quem viu pelas redes sociais um vídeo da ação e se apaixonou pelo Cozinha e Voz. “Perguntei como faria para trazer para cá e fui atrás dos parceiros para viabilizar”, explica.


Em Campo Grande, são 20 mulheres que foram aprender uma nova profissão para deixar o passado para trás. “Pensei na possibilidade de dar parte das vagas para mulheres vítimas de violência e do sistema carcerário, porque sei que a maioria delas está nessa condição em razão de serem vítimas de violência doméstica também e se envolveram em algum delito em razão disso”, afirma Jacqueline.

O objetivo do curso é tirar mulheres da situação de vulnerabilidade de emprego, com qualificação e empoderamento. “Quando fiquei sabendo do curso, dei o maior show. Eu queria porque queria fazer”, brinca Maria José. Ela foi indicada para a Justiça e então selecionada justamente por sempre estar dentro da cozinha.

Sobre a fama da chef Paola Carosella, a futura auxiliar desconhece as participações dela em TV, mas quer aproveitar cada segundo de aprendizado. “Eu quero mostrar para todo mundo que eu consegui, por mais que eu estivesse naquele lugar, eu consegui”, comemora.

AULA COM A CHEF

Ao telefone, Paola Carosella conversou com o Correio do Estado – por conta de um problema de saúde, a vinda dela a Campo Grande foi adiada e a chef virá apenas para a formatura das alunas na oficina.

Longe de se ver como celebridade, Paola Carosella fala que na cozinha veste seu avental e ensina a cortar, ficar em pé, conversa sobre técnicas e a importância da postura. “Algumas pessoas querem tirar fotos, outras nem me conhecem”, comenta.

Com 27 anos de cozinha, a chef relata que vê como grande dificuldade dos restaurantes conseguir profissionais que tenham certo preparo.  “Eu faço parte deste projeto porque acredito nele como forma de levar possibilidades às pessoas e conhecimento que possa ajudá-las a ter uma inserção no mercado de trabalho e também garantir para aqueles que contratam que essas pessoas têm preparo”.

Ao fim da oficina, o que ficará é o empoderamento de quem participou estampado no sorriso, como da Maria José, transformada não só pela cozinha.  “Acho que o que transforma não é a cozinha, mas a possibilidade de elas serem livres, de conseguir uma vida digna por meio das suas próprias mãos. Se a cozinha é este ambiente? Pode ser que seja para alguns, não a vejo como ente transformador, mas vejo a possibilidade de fazer um trabalho no qual a pessoa possa se sentir dentro de um espaço, respeitado como qualquer outro ser humano”, finaliza Carosella.