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CORREIO B Projeto que incentiva mais mulheres nas Exatas vai além dos números e ensina amor-próprio Projeto que incentiva mais mulheres nas Exatas vai além dos números e ensina amor-próprio 10 DEZ 2018 • POR CRISTINA MEDEIROS • 12h34

“Faça da sua dor a sua maior luta, por mais que seja difícil. Quando conhecemos outras pessoas, a gente para e percebe que todo mundo tem uma dor, e talvez a sua dor possa ajudar outras pessoas”. A frase saiu ao fim da entrevista com uma das alunas participantes do projeto Lugar de Mulher, da Escola Estadual Lino Villachá, no Bairro Nova Lima, em Campo Grande. O projeto é um dos dez finalistas do 2º Edital Gestão Escolar para Equidade: ELAS nas Exatas, promovido pelo Fundo ELAS, Instituto Unibanco, Fundação Carlos Chagas e ONU Mulheres, iniciado em março e finalizado no início de dezembro.

Aluna do segundo ano do Ensino Médio da escola, Catarina Roberto Vieira, 19 anos, conta que muito mais que deixar de achar que as Ciências Exatas são um bicho de sete cabeças, ela aprendeu a se gostar mais, a se valorizar: “Este projeto mudou a minha vida”. Além dela, o projeto transformou as referências de outros alunos participantes – ao todo, eram 20 meninas e três meninos.

Tendo como premissa favorecer a inserção das meninas nas áreas de Ciências Tecnológicas e Exatas por meio da promoção da equidade de gênero e do reconhecimento da escola como um espaço estratégico e importante na promoção dessa transformação, o projeto contemplou com R$ 35 mil cada iniciativa.  

“O objetivo é contribuir com projetos que incentivem mais meninas a se interessarem pela área de Exatas, participarem das olimpíadas de Ciências Exatas, Tecnologia, e a forma que escolhemos foi por meio de algumas atividades, tendo como carro-chefe aulas de fotografia”, explica a professora de Matemática Francielle Cristina Pereira dos Santos, 25 anos, que ao lado do professor  de Química.

Guilherme Kanashiro Toyohara, 28, coordenou o projeto – ambos são de São Paulo e vieram para Campo Grande por meio da ONG Ensina Brasil (leia ao lado).

Segundo o professor Guilherme, todo o processo nasceu a partir de um levantamento feito na escola com os professores de Matemática, Física e Química. “Começamos a levantar percepções de que, em grande parte da escola, nas salas de aula, os alunos que tinham melhores rendimentos eram as meninas. Porém, a pesquisa também nos apontou que, no grupo delas, apenas uma tinha real interesse em seguir os estudos nas áreas propostas, mas tinha muitas dúvidas”. A ideia, então, foi fazer um projeto para estimular as meninas a ocuparem espaços que não são comuns a elas, mas também ir além, promover o empoderamento. 

“Nosso objetivo principal era ter as meninas mergulhando nas áreas de Matemática, Informática, Química, Física,  Astronomia... Mas percebemos que, antes disso, havia um passo a ser dado. Antes dessas participações, precisávamos ensiná-las a criar uma confiança melhor dentro delas, elevar a autoestima, fazer com que confiassem nelas mesmas. Além disso, entendessem a importância de se juntar entre elas, mulheres, numa rede mútua de apoio”, conta o professor.
 
AULAS

Reunindo alunos dos diferentes anos do Ensino Médio e alguns do 9º ano do Ensino Fundamental, o projeto começou em março, com aulas no contraturno, uma vez por semana. “Não fechamos o grupo apenas para meninas, mas elas eram a maioria. Nas aulas, juntamos a parte teórica das disciplinas de Exatas atrelada aos ensinamentos de fotografia”. 

Assim, o grupo aprendeu a mexer na câmera, técnicas de fotografia e revelação e cada assunto introduzido estava ligado a alguma habilidade da Matemática, Física ou Química. “Para essa dinâmica acontecer, contamos também com a ajuda da fotógrafa Rafaela Sátiro e de Patrynie Garcia Crispim, aluna de Física da UFMS”, explica a professora Francielle.

Para entender que há muitas coisas a serem exploradas além das fronteiras de MS e do Brasil, as participantes do projeto vivenciaram outras experiências. “Visitamos universidades e feiras tecnológicas, o Departamento de Matemática da UFMS, a Feira Nacional de Ciência e Tecnologia; levamos as alunas para conhecer o Parque dos Poderes e, no mês passado, houve a troca de experiências com  alunas de outro colégio”, destaca a professora, enfatizando que eles lançaram a semente de algo que apenas as alunas poderão dar sequência.

Beatriz Rodrigues dos Santos, 17 anos, conta que terminou o Ensino Médio com uma bagagem a mais. Quando se inscreveu no projeto, olhava as matérias de Exatas como um bicho de sete cabeças. “Era bem difícil, eu não gostava. Quando entrei para o Ensino Médio, parece que piorou; o que já era difícil se tornou impossível de aprender. Então, entrei no projeto pelo fato de que eles trouxeram a fotografia e mostraram que nela precisávamos aplicar aquelas disciplinas e que seria algo fácil e legal”.

Beatriz conta que só teve ganhos. “O projeto facilitou muito, abriu a nossa cabeça até para as coisas do dia a dia. Ensinou a gente a se conhecer melhor, ajudou cada menina a entender os problemas da vida e, com a cabeça erguida, nos ensinou a não desistir dos sonhos”.

Para a professora, tudo que surgirá agora vai partir das próprias alunas. “Algumas cogitaram entrar nessa área, outras, não. Mas nós já percebemos algumas mudanças no grupo ao longo deste ano. É claro que essa transformação demora, pois a realidade nos apresenta algo que é cultural: existem poucas mulheres ligadas a esse papel na sociedade. Mudar essa cultura leva tempo, mas conseguimos criar um espaço de acolhimento, um espaço de segurança, e elas começam a cogitar esses espaços”.

SAIBA MAIS

A ONG Ensina Brasil se dedica a recrutar jovens de alto potencial que busquem causar impacto positivo no País. Com inspiração no modelo de formação de lideranças da rede global Teach for All, o Ensina desenvolve jovens para se tornarem professores de escolas públicas inseridas em contexto de vulnerabilidade e, posteriormente, atuarem como lideranças em outras frentes que precisam de transformação no País.

A iniciativa é nova por aqui – o Programa de Desenvolvimento de Lideranças do Ensina Brasil foi criado em 2016 –, mas já teve mais de 12 mil inscritos. Francielle e Guilherme, que formam selecionados, vieram de São Paulo para a Capital e, agora, após 2 anos, pretendem alçar novos voos.